sábado, 26 de julho de 2008

UM TOQUE DE CLASSE

A estas alturas do campeonato da minha vida, não tenho mais para onde apelar. Se correr, a idade pega porque, como diz o ditado, “carreira de velho não levanta poeira”. Se ficar, a idade come. Come a minha presunção de querer correr. Então, o que me resta mesmo é aquietar-me e entrar definitiva e compulsoriamente no rol dos aposentados sexagenários. Prá começo de conversa, não gosto da palavra “aposentado” e muito menos do tratamento mesquinho e cruel que dão a estas heróicas criaturas. Segundo o dicionário Houaiss, aposentado é alguém instalado em aposento, hospedado, albergado, o que é extremamente injusto e ridículo, e que dá a idéia de um ser capiongo, sorumbático, decrépito e gotoso, que é condenado a sobreviver recolhido na clausura de seus aposentos, de pijama e chinelo, como se fosse um traste, um espantalho. Mas isso não é verdade. O aposentado é aquele herói que passou uma grande parte de sua vida trabalhando e dando a sua parcela de contribuição para o engrandecimento do país, e deveria, isto sim, usufruir do restante de seus dias de uma forma mais decente e digna. O que se vê, porém, é a grande maioria desses valentes guerrilheiros, continuando a sua luta e trabalhando duro para sobreviver.
Gosto mais do termo “sexagenário” , ou “agenário sex”, palavra sugestiva que lembra sex appeal, encanto, sedução e, pelo menos, traz para os velhinhos “ex-combatentes”, saudades daqueles deliciosos tempos das escaramuças e escapulidas amorosas.

Membro honorário e de carteirinha da gloriosa confraria da terceira-idade, eu pensei que não precisasse mais passar por certas humilhações e vexames, principalmente levando em conta os inúmeros solavancos, turbulências e estocadas que a morte já me deu ao longo da minha atribulada existência.
Pensei também que tinha acabado para mim o longo e interminável ciclo dos exames e testes que o ser humano é obrigado a fazer desde quando nasce até quando tomba. Quando a gente nasce, e isso infelizmente só se aplica a uma pequena parte da população, o médico pediatra da família começa logo a examinar a boca, o nariz, os olhos e ouvidos do recém-nascido, para ver se está tudo bem. Fazem até um tal de teste do pezinho. No meu caso não foi assim, porque não nasci em hospital e muito menos em berço de ouro – o meu berço foi uma bacia grande de alumínio – e quem me “aparou” conforme se dizia, foi uma preta parteira chamada “ Sinhá Rita” e o máximo que ela pode ter olhado foi para saber se eu era macho ou fêmea e se tinha todos os dedos dos pés. E o teste que ela fez, com certeza e como era de costume, foi passar em mim , em forma de cruz, um galho de pinhão para afastar o mau olhado e o quebranto. Graças a Deus, conforme me disse minha mãe, eu nasci um meninão pencudo ( não adianta olhar no dicionário,caro leitor, porque você não vai encontrar essa palavra. Pencudo é um termo exclusivo das parteiras do sertão para indicar menino que nasce com a trouxa desproporcional ao tamanho do corpo.)

Vaidade, ou orgulho sexual à parte, o que eu quero mesmo dizer é que tem muito mais exames. Quem já não fez exame de admissão, exame preparatório, exame pra vestibular, exame de ordem, exame para tirar carteira de motorista, exame de saúde, exame de vista, de pele, de sangue, de fezes, de urina, de corpo de delito e até exame de consciência? Eu fiz tudo isso e muito mais e, pasme o leitor, agora que estou entrando na flor da velhice, me vi às voltas com um tal de exame de próstata. Não que eu seja um sujeito melindroso, carrancudo, puritano, retrógrado e refratário à medicina. Mas, convenhamos. A medicina bem que podia já ter criado um tipo de exame mais avançado, mais científico, do tipo ressonância magnética nuclear, ultra-som, eletroquimioluminiscência, ou coisa que o valha, sei lá... Mas, nesse ponto, estamos ainda na idade da pedra lascada- e bota lascada nisso - utilizando um método rural e artesanal, e que a minha avó usava quando queria saber se a galinha tinha ovo. O famoso teste do dedo no fiofó.
Ainda bem que o médico encarregado de me examinar era um sujeito muito bacana e brincalhão e tratou logo de quebrar a cerimônia e criar um clima de relaxamento que me deixou inteiramente à vontade. Tirante a clássica e ridícula posição a que fui obrigado a ficar, de frente e apoiado na parede, ligeiramente inclinado, pernas separadas, com a bunda a céu aberto e totalmente vulnerável, no mais, correu tudo muito bem: o exame foi realizado da forma mais elegante, rápida, insípida, indolor e inodora possível. Um verdadeiro toque de classe. E não deu nem pra perceber se aquele verdugo de bata branca usou o mindinho, o seu-vizinho, o maior-de-todos, o fura-bolo ou o cata-piolhos.

Um comentário:

Oilton Menezes disse...
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