quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O ENCONTRO DOS CACÓFATOS

Um dia desses eu saí pro açude prá pescar cá minha tia Zita e a comade cá dela, mais Nicodemo, Lino e Tatá. Tio Joca ficou cas meninas qui tão cá gripe e cus meninos qui tão cá tosse.
Levantamo cedo co cantar do galo, tomamo café com leite e fumo. Fumo andando, fumo entrando pelo mato, prosando, escuitando o canto dos passarinho, espiando o vôo razante dos anuns e dos piririguás . Tia Zita e a comade ca tia dela cas troxa de roupa na cabeça pra lavar no açude; eu ca cabaça de carregar água na cabeça; Nicodemo,Lino e Tatá cas minhoca e cas vara de pescar.
Quando chegamo no açude, Tia Zita não vendo o Lino e Tatá, pensou logo em afogamento e começou a gritar feito uma distambocada: cadê o Lino? Você viu o Lino?Vocês viro Lino? E Tatá? Vocês sabem onde Tatá tá? Ai meu Deus! Onde tará Tatá? Ela tava morrendo de medo porque Nicodemo nada qui nem piaba, Tatá ta aprendendo e Lino num nada nada. Só sossegou quando viu Tatá e Lino sentados na beira do açude cas minhoca nágua pescando pilombeta.
Enquanto tia Zita e a comade ca tia dela ficavam cus pano nágua esfregando, eu ficava abestaiado espiando a bicharada que vinha bem mansinha beber água no açude: o pato ca pata, o bode ca cabra, o boi ca vaca, o galo ca galinha e cus pinto, o gato ca gata, o porco ca porca, o cavalo ca égua, o jumento ca jumenta, o burro ca burra, o sapo ca sapa, o cágado ca cágada, o peba ca peba, o ganso ca gansa e os gansinhos ca gansa mãe.
Tava tarde, o sol tava ficando muito quente, e a gente resolveu vortá. Tia Zita e a comade ca tia dela cus pano lavado; eu ca cabaça cheia dágua de beber; Nicodemo, Tatá e Lino cas pilombeta e os jacundá que eles pegaro no açude.
No meio do caminho paramo pra vê um comício de uma tal de Elisa Botelho Pinto, qui quiria sê veriadora de Grota Funda e tava em cima de um caminhão falando pros eleitores:
- Povo de Grota Funda! Eu me chamo Elisa Botelho Pinto e sou candidata a veriadora dessa cidade e é a primeira vez que trepo em riba de um caminhão pra dirigir a palavra procês homens e mulheres de Grota Funda. Eu sei que os meus inimigos tão tacando o pau em mim por trás, porque são covardes e não têm coragem de tacar o pau em mim pela frente. Aqui nessa cidade tem muito político sapo. Vocês sabem o que acontece quando o sapo perde? A rã ganha! Tem também muito político réu. Vocês sabem o que acontece quando o réu perde? A ré ganha! Pois é... e eu vou ganhar!
Minha plataforma política é a educação acima de tudo. Se eleita for, vou fazer de tudo pela educação e vou dar tudo de mim para o povo: eu educo pobre, eu educo rico, eu educo preto, eu educo branco, eu educo feio, eu educo bonito, eu educo ateu, eu educo crente, eu educo grande, eu educo pequeno, eu educo gordo, eu educo magro, eu educo cego, eu educo gago, eu educo moço, eu educo veio, eu educo careca eu educo cabeludo, eu educo tudo...E não sou como o prefeito dessa cidade que é um grande burro e nem como a mulher dele que é uma verdadeira galinha...
Nisso, ela nota que alguns partidários do prefeito não gostaram nadinha do que ela estava dizendo, pegaram pedras do calçamento e já iam atirar nela, quando ela, rápida, sabida e matreira, arrematou se saindo de fininho:
- Como eu ia dizendo, e vocês não deixaram eu terminar, o prefeito dessa cidade é sim um grande burro de carga que, coitado, carrega sobre seu lombo o enorme fardo das mazelas, desgraças e misérias dessa cidade, e sua mulher é sim uma verdadeira galinha que acolhe os grotafundenses como pintinhos debaixo das asas, como uma mãe carinhosa. Foi calorosamente aplaudida.

Já perto de casa, e no meio da rua, demo de cara com uma briga. Havia uma grande roda de gente e, no meio,os dois valentões Zeca Brito e Ticão da Gata se atracavam como duas onças ferozes, num tremendo arranca-rabo.
Não demorou muito e chegou um destacamento de polícia, e um soldado achou logo de me perguntá:
-Qui é qui ta havendo aqui?
-Sei não sinhô, eu também cheguei agora.
-E porquié qui tão brigando?
-Também num sei não sinhô, porque quando cheguei já topei dando um na cara do outro.
-Quer dizer qui o sinhô não deu fé de nada?
-Como é qui eu ia dá fé, se Zeca Gama qui é altão e qui em pé istava na frente, com uma vara de futucá gado na mão nem fé deu, como é qui eu, qui sou batoré e qui em pé istava atrás, podia dá fé?
Depois eu fiquei sabendo que o pivô daquela encrenca tinha nome: uma tal de Zuzú, filha de Antonio Camisão e de Tudinha Savarana; uma boazuda, dessas de fazer pinico de barro dá pulo mortal, e qualquer cristão perder a cabeça. Nesse caso, ainda bem que ninguém perdeu a cabeça, mas Zeca Brito perdeu mais dois dentes da frente, dos poucos que ainda lhe restavam, e um pedaço da orelha direita, do coice e da dentada que levou de Ticão durante a briga.
Finalmente, e já passando das quatro da tarde, chegamo em casa, todo mundo cansado e morto de forme. O almoço, quase janta, foi pilombeta e jacundá frito; os que Nicodemo, Tatá e Lino pescaro no açude.
Tempo bom aquele que a gente ia pro açude pra vadiar, pescar, tomar banho e se divertir. Hoje o açude ta seco. E mesmo que tivesse cheio não ia adiantar porque eu não sei por onde anda tia Zita, e Lino, Nicodemo e Tatá tomaram chá de sumiço e num tão mais aqui pra gente matar as saudades.
Às vezes a saudade aperta e fica me azucrinando feito uma mutuca. Então eu me assento debaixo do pé de tamarindo e começo a brincar de recitar verso, pra encher a lingüiça do tempo.Esses são para Zita, minha tia querida:
Eu ozente, tu ozente
Tia Zita
Eu di tu e tu di eu
Cuma pode nóis passá
Eu sem tu e tu sem eu?
Tu pra cá num vem
Porque se aí ta ruim
Tá pió cá
Eu pra lá num vô
Pois odeio esse cafundó
Pois tu pra lá teja
Qui eu pra cá tô.

Fico me lembrando de Tatá. Onde tarará Tatá. Diseero qui Tatá tá casado. Qui Tatá tem filho. Qui os filho de Tatá tão tudo grande. E eu nem sabia qui Tatá tinha filho. Ai meu Deus, como o tempo passa desembestado e a gente nem vê!
Fico me lembrando da ingenuidade e das besteiras de Lino. Crente fervoroso, ele odiava carnaval, Quando chegava a folia, a gente não perdia a oportunidade de mexer com ele:
-E aí, Lino, vai sair em que bloco?
-Só saio no bloco dos que não foram, respondia sério. Carnaval é coisa do cão, é festa pagã, é o culto a Baco!
E a gente dizia brincando: Lino, cuidado com o cacófato! Mas, ficava tudo na mesma, porque ele não fazia a menor idéia do que viesse a ser um cacófato.
Sinto também muita saudade do Nicodemo. Meu amigão, grande pescador de piaba, pilombeta, cari e jacundá. Sujeito brincalhão e pra lá de engraçado. Jogava no Guaramiranga Futebol Clube, lá em Guaramiranga, cidadezinha serrana e florida, lá no interior do meu Ceará.
Certa vez Nicodemo foi jogar na cidade de Baturité, contra o Baturité Sport Club, que tinha uma rivalidade antiga com o Guaramiranga, e o jogo era uma revanche de vida ou morte.
Todo mundo confiava na temida “canhota-canhão” do Nicodemo e, como não poderia deixar de ser, encarregamos o craque não só de trazer a vitória a qualquer custo, como também, por ser o mais letrado do time, de avisar, o mais depressa possível e seja lá de que jeito fosse, o resultado do jogo, que interessava a todo mundo e era uma questão de honra.
Mas, o dia acabou, todo mundo numa expectativa danada, e necas de notícias do Nicodemo. O que teria acontecido?
Finalmente, no dia seguinte, já de tarde, chega o tão esperado telegrama do Nicodemo, que dizia:
-Almocemo, viajemo, demoremo mas cheguemo, discansemo, concentremo, joguemo, sisforcemo, se matemo, num ganhemo nem perdemo, impatemo, fracassemo, jantemo, regressemo, num telefonemo porque num pudemo, telegrafemo, assinemo, Nicodemo.

Não se sabe aonde Nicodemo foi buscar tanta inspiração para esse primor de redação.
Vez por outra, ao remexer no meu baú de recordações, fico me lembrando e rindo deste epísódio pitoresco e não consigo esquecer essa “pérola” do Nicodemo.

De minha parte, o que eu posso dizer a você, meu caro amigo Nicodemo, se é que, por um desses raros caprichos do destino algum dia essa singela crônica vier a pousar em suas moas como uma abelha ou uma borboleta errante, e você tiver a oportunidade de lê-la, são somente algumas palavrinhas da mesma safra, lavra e eufonia das que você usou no seu famoso telegrama que, agora, mesmo muito tardiamente quero responder em nome da turma:

-Quando lemo, num acreditemo,num aceitemo, sizanguemo, esperniemo, choremo qui quase morremo, mas depois se acalmemo, relaxemo, num guentemo, brinquemo e quase se acabemo de tanto que rimo. Num respondemo logo porque num pensemo e vacilemo, mas nóis num sisquecemo, agradecemo e assinemo
O ASSALTO

Tudo que aquele casal apaixonado queria era ver, do alto do penhasco, de frente para o mar, o belíssimo espetáculo do nascer da lua-cheia, arrematando assim o romântico dia que passaram a sós na casa da praia. Tinham sido alertados de que o local era ermo e perigoso, mas o amor falou mais alto, e a deslumbrante vista lá de cima compensava qualquer sacrifício. E estavam ali abraçados, absortos, inebriados de paixão, sob a luz de prata da enorme e cândida lua recém-nascida. Não notaram nem a aproximação do bandido que, encostando o cano da máquina-de-fazer-defunto nas costas do rapaz, foi logo anunciando:
- Sem fazer nenhuma gracinha, vão logo passando carteira, celular, relógio, jóias...
Instintivamente os dois ergueram-se num pulo, as mãos para o alto, numa reação automática de rendição total, enquanto o larápio dava o rapa geral, afastando-se em seguida, andando de costas, a arma em punho apontada.
Trêmulos, nervoso, perplexos, os dois permaneceram mudos por algum tempo, procurando entender aquela mudança brusca de cenário.
-É melhor a gente tratar de dar no pé logo daqui antes que o pior aconteça, disse finalmente a moça.
-O que eu acho engraçado de tudo isso, zombou o rapaz, é que esse ladrão vai ter uma baita decepção: o celular é peba, o relógio é roscofe, e na carteira só tinha vinte merrecas.E de você ele levou o quê?
-Bulhufas. Nem bolsa eu trouxe...
-Então não tem por que a gente se preocupar em sair logo daqui. Vamos esquecer o que passou e curtir essa lua linda. Não há nenhum perigo desse cara voltar aqui.
Mas o destino insistia em tramar contra aqueles dois aventureiros. Não foi o mesmo marginal, mas um segundo delinqüente que surgiu não se sabe de onde e, até mais calmo do que o primeiro, exibindo um reluzente berro, sentenciou irônico:
- Sinto muito em atrapalhar a lua e o romance de vocês, mas isso aqui é um assalto.É bom colaborar e não fazer nenhuma besteira para que tudo saia bem e sem problemas.
-Moço, pelo amor de Deus, calma, implorou a moça, de mão postas. O senhor não vai acreditar, mas nós já fomos assaltados coisa de uma hora atrás. O cara que nos assaltou levou tudo da gente... pode conferir.
-É... estou vendo que o meu parceiro fez o trabalho direitinho... mas, como eu não gosto de sair de assalto no prejú, vou levar as roupinhas e os sapatinhos de vocês.
E deixou os dois em trajes de Adão e Eva.
- E agora? pergunta a moça apavorada.
- Vamos dar o fora daqui, diz o rapaz puxando-a pelo braço.
- Mas... assim?
- Fazer o que?...
E começaram a corrida maluca na descida do íngreme rochedo.
Já na pista, o que não era para acontecer, aconteceu: uma ronda policial.
-Que vocês venham namorar aqui nesse lugar perigoso, tudo bem, é problema de vocês.
Mas, pelados? Isso é uma pouca vergonha!. Isso é atentado ao pudor! Vocês vão ter que me acompanhar, ordenou um dos policiais.
- Pelo amor de Deus, moço, me escute, rogou o rapaz. O senhor está totalmente equivocado. Não é nada disso. Nós fomos assaltados duas vezes lá em cima nas pedras. O primeiro ladrão levou celular, carteira, relógio, tudo...O segundo levou nossa roupa.
-É a pura verdade, completou a moça.
- Essa historinha vocês vão ter que contar pro delegado, retrucou o tira.
- Bonito, hein!, disse abusado o homem da lei. Esse negócio de namorar pelados por aí pegou muito mal, como pegou mal também essa história de assalto que vocês andaram inventado. Infelizmente, vou ter que trancafiar vocês.
-É... não adianta mesmo a gente perder tempo tentando explicar a verdade, porque o senhor não quer mesmo acreditar em nós. Poderia pelo mesmo nos dizer, baseado em qual artigo da lei está nos prendendo? perguntou o rapaz.
- Posso sim! bradou o delegado dando um murro na mesa: artigo nenhum da lei de coisa alguma:. atentado ao pudor, desacato a autoridade, falsidade ideológica, associação para a prática de libidinagem, e formação de quadrilha. Tá bom, ou vão querer mais?
E mandou botar os dois no xilindró.
BRINCANDO DE POETA



Padecimento


Joguei uma pá de cimento
No meu sofrimento
Pra não morrer de ti
E no meu relaxamento
Bebi o teu wiskycimento.
Te possuir foi meu fato concreto
E não concretizado
Meu sonho asfixiado
Foi emparedado
Morreu sufocado
E está vigiado
Por cimento armado


Despedida


Saudade é coisa que ninguém entende
Não quer partir o que saudades deixa
O que saudades trás o abraço estende
O que saudades leva se arrepende
De ter deixado em prantos sua “ gueixa”

É forçoso partir, então eu parto
Parto com dor, porém parto cantando
Nas asas do adeus vou me embalando
Lambendo o néctar do teu beijo farto

Eclipse

O que eu vi foi a nossa soberana lua
Linda, brilhante, provocante, nua
Abraçando o astro-rei em alto astral
Em conjunção explícita e carnal
Que fez nosso planeta escurecer
E os homens como sempre escandalosos
Pra não perder correram curiosos
Taparam os olhos e...adoraram ver.


Vaidade


Estou ficando velho e lastimável
O tempo deixa em mim marca profunda
Sem dentes, sem cabelo, é bem provável
Que, além de feio, vou ficar corcunda.

Meu corpo de beleza invejável,
Ostenta agora a pele moribunda.
Ruiu aquele físico notável
Sumiu a sensual e linda bunda

Agora sim percebo claramente
Como a beleza acaba de repente,
E quanto a vaidade é besteira

Meus sonhos, meus amores, serão nada
E a minha face altiva descarnada
Será uma ridícula caveira.


Mãe solteira

Chamam-te quenga, bisca e biscaia,
Bucho, bruaca, horizontal, galinha,
Mosca, cadela, égua e andorinha.
Puta, putana, meretriz, catraia.

Vaca, marmita, zorra ou lacraia,
Fusa, mundana, zunga e messalina,
Fuampa, rota, loba ou catirina,
Frete, findinga, fúnfia ou birraia.

Bisca, barbeira, cuia ou viração,
Osso, piranha, isca ou sapatão,
Rapa, pinóia, isca ou pataqueira,

Gança, cachorra, zoina e cutruvia,
Navio-escola, guampa ou bagageira,
Não importa, mulher-mãe, hoje é teu dia!


De merda
(autor ignoto)
O mundo é simplesmente merda pura
A própria vida é merda engarrafada
Em tudo vive a merda derramada,
Quer seja misturada ou sem mistura

É merda o bem e o mal merda tintura
A glória é merda e apenas mais nada
A honra é merda e merda bem cagada
É merda o amor, é merda a formosura

De merda pura é feita a consciência
De merda rota é feita a inteligência
É merda o coração, é merda o saber

De merda é feita toda a humanidade
E é tanta merda que a pobre terra invade,
Que um soneto de merda eu quis fazer

Acontece

Quando o homem envelhece
De tudo acontece:
O cabelo embranquece
A careca aparece
A vista escurece
O dente apodrece
A coluna enfraquece
A barriga elastece
E o corpo padece
Fica em forma de esse
O bilau amolece
Se levanta, esmorece
E não vai nem com prece.
Se se senta, adormece
E de tudo se esquece
Quando manda,ninguém obedece
Sempre dá e ninguém lhe oferece
Quando pensa na vida, entristece
Trabalhou e correu feito um peste
Só achou quem na vida lhe desse
Muitas rugas e muito estresse
Quando morre, nem flores nem prece
Eis o epitáfio que ele merece:
AQUI JAZ A PIOR DAS ESPECIES:
APOSENTADO DO INSS


A lição de Diana

Na pacata Afogados da Ingazeira
Um fato muito estranho e inusitado
Está deixando o povo alvoroçado
E ninguém ousa dizer que é brincadeira

Diana, com certeza, é a primeira
Cadela, neste mundo, que tem dado
Lições de piedade a um povo errado
Afastado de Deus pela cegueira

Missas,enterros, procissões, novena,
A tudo Diana assiste respeitosa
Com olhos de ternura, tão serena

Sua atitude é tão misteriosa
Que até quem é ateu já sente pena
E crê na mão de Deus miraculosa

O Terço

Trouxeste, Virgem Santa, o terço ao mundo
Pedindo ao mundo que rezasse o terço
Mas, do mundo, Senhora, nem 1/3
O terço reza que mostraste ao mundo

Ah! se o mundo conhecesse o terço!
E o terço fosse a oração do mundo!
Neste mundo infeliz, quem reza o terço
Sabe que o terço é a oração do mundo

Mostra, Senhora, o teu terço ao mundo
Para que o mundo todo reze o terço
E o terço traga muita paz ao mundo

Cinge, Senhora, com teu terço o mundo
E o mundo agarrado no teu terço
Subirá terso para o outro mundo

A Bola

Hoje em dia todo mundo joga bola
E atrás da bola corre todo mundo
E é por causa da bola que este mundo
Está ficando um mundo ruim da bola

Ah! se no mundo houvesse menos bola
Certamente na bola deste mundo
Haveria quem nem bolas desse ao mundo
E o mundo, aos pés, levasse como bola

Mas, quanto mais se bola neste mundo
Tanto mais é que o mundo joga bola
E se esquece da bola do outro mundo

Infeliz mundo, deixa um pouco a bola
A bola nunca te fará bom mundo
E no outro mundo não se joga bola


O tempo


Deus pede estrita conta do meu tempo
É forçoso do tempo já dar conta.
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?

No faz-de-conta desse passatempo
Matando o tempo eu passei da conta.
Perdi o tempo sem levar em conta
A conta errada que eu fiz do tempo

Ao ver passar o tempo, me dou conta:
De nada conta em vão gastar o tempo
Se o tempo nunca paga a minha conta

Vou refazer a conta enquanto é tempo
Do tempo gasto e fechar a conta,
Pois Deus já conta prá acabar o tempo.

Náufragos

Nossa vida era como um mar dourado
De águas claras e de ondas mansas
Nesse mar calmo e cheio de bonanças
Nosso barco partiu seguro e ousado

Sempre de alegres gaivotas cercado,
Simbolizando as nossas esperanças
Que ali pousavam como pombas mansas
E que seguiam fiéis ao nosso lado

Um dia o nosso mar tornou-se irado
Arrebentou nosso barco e o fez destroços,
Sepultando os sonhos que eram nossos

Agora, juntos nesse mar de mágoa,
Sós e agarrados a uma mesma tábua,
Somos náufragos nus e desgraçados

Sonhos desmoronados

Já construí palácios e castelos
Na quadra tão feliz da juventude
Firmes até e cheios de quietude
De ebúrneas torres de vitrais mui belos

Eram castelos dos meus verdes sonhos
Das minhas mais fagueiras esperanças
Que ali viviam como aves mansas
Em doce idílio e paz sempre risonhos

Um dia os meus castelos arruinaram
Então meus sonhos como um triste bando
De pombas um após outro o vôo alçaram

Agora, dos meus sonhos vou lembrar
Qual ave merencória cantando
Um canto triste que me faz chorar.

Insônia

Que lua é aquela
Na minha janela
Sem brilho, sem cor?
É a lua feia
Que nunca clareia
Desta minha vida
O eclipse total
As nuvens disformes
São monstros enormes
Que tragam, que engolem
Essa lua errante
Que ora mergulha
E emerge adiante
Cansada, ofegante
Meus olhos opacos
Vagueiam insones
Seguindo os teus passos
Ó lua distante
Teu quarto é crescente
O meu é minguante

Maria das Dores


Maria das Dores
Das dores do mundo
De todas as dores
Das dores do parto
Das dores da fome
Das dores da sede
Das dores de dente
Da dor de cabeça
Da dor de ouvido
Da dor de não ter
De nunca ter tido
Da dor de não ser
De nunca ter sido
Das dores do peito
Das dores da alma
Das dores da vida
Da dor da tristeza
Da dor da pobreza
Da dor da incerteza
Da dor da saudade
Da dor da maldade
Da dor sem remédio
Das dores sem nome
Da dor que não passa
Da dor que não some
Da dor que não morre
Da dor que consome
Das dores da morte.
Maria das Dores
As dores que tinhas
Já não são mais tuas
Agora são minhas

Mãe

Mãe é pedaço do céu aqui na terra
É o sol a brilhar em nossa vida
É balsamo que cura a ferida
É a grandeza que o amor encerra

É força que ajuda na subida
Fada que a nossa solidão desterra
É a guerreira que vence a dura guerra
É a sombra que desfaz nossa fadiga

Doce bonança que conforta e alenta
Nos momentos de dor e de tormenta
É um anjo a embalar os sonhos meus

Seu coração é imenso como o mar
Tudo recebe, oferta e alimenta
Como se fosse o coração de Deus.


Paixão de matuto

Quando eu falo com você
Me controlá já num posso
Fico gago e atrapaiado
Parece qui vô ter um troço

Quando eu pego em sua mão
Fico todo arripiado
Sobe e desce pela espinha
Um farnizim disgraçado

Quando eu ispio você
Nesses óios tão azuis
Me dá tanta atentação
Rezo logo o credo em cruis

Quando eu abraço você
Eu só penso em arrochá
Quem vê assim pensa logo
Qui nóis quer é se matar



Quando eu agarro você
Sou pio do que cipó
Quem óia fica dizendo
Qui não é dois é um só

Você passa rebolando
Eu corro pra ispiá
Eu vou acabar morrrendo
De congestão cerebrá

Quando você bota chêro
Eu começo a farejá
Fico pió qui cachorro
Em buraco de preá

Mas quando eu beijo você
Nesses lábios de viludo
Meus beiços ficam colados
Pregados com cola-tudo.

Arenga de cego

O cego disse à cega:
-Vamos fazer um ceguinho?
-Pode fazer, meu bem,
Mas faça bem devagarinho
Em vez dum cego grande,
Faça dois piquininhinho

A cega disse ao cego:
-Você dis qui num doía
Ta doendo, ta doendo
Ta me dando uma agonia
Tenha pena da cega
Qui num vê a luz do dia.

O cego disse à cega:
-Deixe de ser inxirida
Sou cego mas num sou troxa
Você tá é com a bexiga
Trate de apagar o fogo
E aquietar a perseguida

A cega disse ao cego:
-Vamos deixar de arenga
Sou cega mas num sou besta
Cê tá chamand’ eu de quenga
Se meta a besta comigo
E eu lhe corto a estrovenga

O cego levou a cega
Pra tomar banho na bica
A cega escorregou
E o cego passsou-lhe a mão
-Vamo simbora pra casa
Qui nois som’ é dois cagão


O cego levou a cega
Pra comer papa e cangica
A cega escorregou
E o cego deu-lhe um conselho:
-Vamo simbora pra casa
Qui nois som’é dois pentelho

O cego levou a cega
Pra comer café com pão
A cega escorregou
E o cego deu-lhe um carão
-Vamo simbora pra casa
Qui nois som’é dois bundão

O cego gritou pra cega:
-Você vai ou você fica?
A cega escorregou
E abriu as pernas no chão
-Vamo simbora pra casa
Qui eu gostei da posição

Foram correndo pra casa
Eu nunca vi tanta agonia:
O cego gritava ai
Enquanto a cega gemia
E passáro a noite toda
Só fazendo estripulia

E quando o dia raiou
Acabou-se a agonia
O cego chamou a cega
E a cama tava vazia
A cega tinha fugido
Com um guarda e um vigia

Valha-me Santa Luzia
Cresce a noite, mingua o dia
Que ceguinha mais vadia!
Nunca vi tanta anarquia
Nem de noite, nem de dia
A cega se chama Bia
E o cego Zé Anania


Briga de Rua

Cena de uma briga ocorrida em minha rua D.José Lopes, entre o síndico do Edifício Tamoios e o síndico do Edifício Caetés ( prédios vizinhos), porque a filha de um dos síndicos deu um murro na cara da filha do outro síndico. Formou-se uma grande confusão e muita gente dos dois prédios desceu para o meio da rua e houve xingamentos mútuos da parte dos moradores. Os síndicos só não se atracaram graças ao porteiro do meu prédio,( Ed.Montserrat), Genadilson, que conseguiu acalmar os ânimos.

Em meio a gritos e aboios
Vieram os índios Tamoios
Afrontar os Caetés

Ecoou além da serra
O feroz grito de guerra
Que acordou até Tupã

Em noite fria d’inverno
A rua virou inferno
De tão grande a gritaria

Nunca se viu tanta gente
Aparecer de repente
Naquela noite de horror

Índios por todos os lados
Até os dentes armados
Doidinhos pra atacar

Com tanta flecha e tacape
Eu pensei: não há quem escape
Nessa batalha cruel

Mas, qual a razão da briga?
O porquê de tanta intriga?
Você vai me perguntar

É que uma índia Tamoia
Bem pior do que jibóia
Filha de Touro Sentado

Resolveu mandar receado
Bem afoito e malcriado
Pra filha de Sete Ursos

Mas a índia Caeté
Já fez logo fincapé
E não leva desaforo

Correu lá pessoalmente
Foi logo quebrando os dentes
Daquela índia atrevida

A confusão foi formada
E a guerra decretada
Tamoios e Caetés

O confronto era iminente
Ia morrer muita gente
Se não fosse a intervenção

De um índio, Genadilson,
Que correu feito um corisco
À tenda dos dois caciques

Em vez de grande confronto
Ele propôs um encontro
Somente dos dois chefões

Cacique Touro Sentado
Apareceu comportado
Cumprindo o que fora dito

O cacique Caeté
Bem desarmado e a pé
Também fez a sua parte

Quando os dois se encontraram
Os seus olhos faiscaram
Mas o incrível ocorreu:

Em vez de luta mortal
Um abraço fraternal
Pôs fim àquela contenda

E descobriu-se depois
Velha amizade entre os dois
Desde os tempos d’infância

Para a paz disseram sim
Beberam tanto cauim
Que os dois ficaram porres

E as tribos festejaram
E nunca mais arengaram
Naquela aldeia global



Destino

História de um rapaz que vivia cheio de vida e que gostava de fazer as coisas com muita pressa. Para chegar cedo ao trabalho, e porque o ônibus estava demorando, pegou uma carona em um caminhão ainda em movimento. Antes que alcançasse o lastro do veículo, desequilibrou-se e caiu; e o pneu esborrachante passou por cima de seu pé esmagando-o. Lamenta-se o inditoso rapaz, envolto em uma densa nuvem de dúvidas: voltará ou não a andar? Viverá como antes? Terá ainda o amor de sua namorada?

Amar, amei, amarei?
Viver,vivi,viverei?
Andar,andei,andarei?
Sonhar, sonhei, sonharei?

Chorar, chorei, chorarei?
Ser, fui, serei?
Ter, tive, terei?
Rir, sorri, sorrirei?

Espero amar ainda
Viver como eu vivia
Andar com alegria!

Sorrir quando encontrá-la
Não chorar porque terei
De volta o que perdi.