quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O ASSALTO

Tudo que aquele casal apaixonado queria era ver, do alto do penhasco, de frente para o mar, o belíssimo espetáculo do nascer da lua-cheia, arrematando assim o romântico dia que passaram a sós na casa da praia. Tinham sido alertados de que o local era ermo e perigoso, mas o amor falou mais alto, e a deslumbrante vista lá de cima compensava qualquer sacrifício. E estavam ali abraçados, absortos, inebriados de paixão, sob a luz de prata da enorme e cândida lua recém-nascida. Não notaram nem a aproximação do bandido que, encostando o cano da máquina-de-fazer-defunto nas costas do rapaz, foi logo anunciando:
- Sem fazer nenhuma gracinha, vão logo passando carteira, celular, relógio, jóias...
Instintivamente os dois ergueram-se num pulo, as mãos para o alto, numa reação automática de rendição total, enquanto o larápio dava o rapa geral, afastando-se em seguida, andando de costas, a arma em punho apontada.
Trêmulos, nervoso, perplexos, os dois permaneceram mudos por algum tempo, procurando entender aquela mudança brusca de cenário.
-É melhor a gente tratar de dar no pé logo daqui antes que o pior aconteça, disse finalmente a moça.
-O que eu acho engraçado de tudo isso, zombou o rapaz, é que esse ladrão vai ter uma baita decepção: o celular é peba, o relógio é roscofe, e na carteira só tinha vinte merrecas.E de você ele levou o quê?
-Bulhufas. Nem bolsa eu trouxe...
-Então não tem por que a gente se preocupar em sair logo daqui. Vamos esquecer o que passou e curtir essa lua linda. Não há nenhum perigo desse cara voltar aqui.
Mas o destino insistia em tramar contra aqueles dois aventureiros. Não foi o mesmo marginal, mas um segundo delinqüente que surgiu não se sabe de onde e, até mais calmo do que o primeiro, exibindo um reluzente berro, sentenciou irônico:
- Sinto muito em atrapalhar a lua e o romance de vocês, mas isso aqui é um assalto.É bom colaborar e não fazer nenhuma besteira para que tudo saia bem e sem problemas.
-Moço, pelo amor de Deus, calma, implorou a moça, de mão postas. O senhor não vai acreditar, mas nós já fomos assaltados coisa de uma hora atrás. O cara que nos assaltou levou tudo da gente... pode conferir.
-É... estou vendo que o meu parceiro fez o trabalho direitinho... mas, como eu não gosto de sair de assalto no prejú, vou levar as roupinhas e os sapatinhos de vocês.
E deixou os dois em trajes de Adão e Eva.
- E agora? pergunta a moça apavorada.
- Vamos dar o fora daqui, diz o rapaz puxando-a pelo braço.
- Mas... assim?
- Fazer o que?...
E começaram a corrida maluca na descida do íngreme rochedo.
Já na pista, o que não era para acontecer, aconteceu: uma ronda policial.
-Que vocês venham namorar aqui nesse lugar perigoso, tudo bem, é problema de vocês.
Mas, pelados? Isso é uma pouca vergonha!. Isso é atentado ao pudor! Vocês vão ter que me acompanhar, ordenou um dos policiais.
- Pelo amor de Deus, moço, me escute, rogou o rapaz. O senhor está totalmente equivocado. Não é nada disso. Nós fomos assaltados duas vezes lá em cima nas pedras. O primeiro ladrão levou celular, carteira, relógio, tudo...O segundo levou nossa roupa.
-É a pura verdade, completou a moça.
- Essa historinha vocês vão ter que contar pro delegado, retrucou o tira.
- Bonito, hein!, disse abusado o homem da lei. Esse negócio de namorar pelados por aí pegou muito mal, como pegou mal também essa história de assalto que vocês andaram inventado. Infelizmente, vou ter que trancafiar vocês.
-É... não adianta mesmo a gente perder tempo tentando explicar a verdade, porque o senhor não quer mesmo acreditar em nós. Poderia pelo mesmo nos dizer, baseado em qual artigo da lei está nos prendendo? perguntou o rapaz.
- Posso sim! bradou o delegado dando um murro na mesa: artigo nenhum da lei de coisa alguma:. atentado ao pudor, desacato a autoridade, falsidade ideológica, associação para a prática de libidinagem, e formação de quadrilha. Tá bom, ou vão querer mais?
E mandou botar os dois no xilindró.

Nenhum comentário: