sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O POSTE QUE GOSTAVA DE APANHAR

Parece mentira, mas não é.
Eu sei que é muito difícil de acreditar nesta estória de poste que gosta de apanhar. Mas, nesse destrambelhado e espatafurdio mundo em que vivemos, que eu acredito já esteja no fim, tudo é possível, pois têm acontecido coisas de fazer penico de barro dar pulo mortal.

Um dia desses eu vi na televisão, que uma cadela vira-latas deu cria a um cachorrinho verde. Como era uma cachorra sem estirpe, foram logo dizendo que a coitada, provavelmente, teria ingerido tinta de parede, ou comido alguma comida radiativa e que provocou o fenômeno. Se fosse, porém, uma cadela com pedigree, dessas de madame e que têm certidão de nascimento, com quatro ou cinco sobrenomes de nobreza, certamente diriam que se trata do surgimento de uma super raça de sangue verde. Aliás, por falar em cachorro, lá em Afogados da Ingazeira, cidade interiorana de Pernambuco, vive uma cadela chamada Diana, que é uma das figuras mais famosas da cidade, e que causa espanto a todos, pois, quer chova, quer faça sol, vai à missa todo santo dia, acompanha procissões, enterros, batizados, novenas e, mesmo que ninguém compareça às cerimônias, ela vai sozinha e só se retira quando o padre dá a bênção final. Está dando de dez a zero na cambada de paroquianos que se dizem fiéis e cristãos, mas nunca vão à igreja rezar. É ou não é o fim do mundo?
Mas, vamos deixar de divagações e voltemos ao poste.
Pois bem. Pra vocês não dizerem que eu estou mentindo, eu mato a cobra e mostro o poste: ele é o de número 1031 – 9000 e tem residência fixa na rua Pastor José Amaro da Silva, 112, em frente ao Edifício Costa Blanca, que é o prédio onde eu moro.
Trata-se de um poste adulto e já velho, com identidade e endereço e por isso mesmo deveria ter mais responsabilidade no desempenho de sua funções de clarear a rua. Mas é um poste relapso, contumaz, irresponsável e preguiçoso.
A Celpe já veio várias vezes autuá-lo e até check-up fez nele e nada encontrou de anormal, pois nem mesmo sua lâmpada está queimada. Estaria ele acometido da síndrome do apagão?
Na presença do técnico da Celpe, o safado se acende todo e passa a noite toda brilhando, mas na noite seguinte, quando já não há ninguém observando, o poste, ou melhor, o peste emburra e não acende. Os seus colegas vizinhos, que são dois, mal começa a escurecer, e eles acendem espontaneamente e fazem o seu trabalho direitinho, todos as noites.

Foi aí que o Luizinho, porteiro do meu prédio, intrigado com aquela teimosia do poste que não queria dar a luz, teve uma idéia luminosa: arranjou um pedaço de pau, mais parecido com um tacape e esperou que escurecesse e deu o ultimato ao poste. Como ele teimou em não acender, Luizinho foi até ele e, sem que ele esperasse, desferiu-lhe uma tremenda bordoada abaixo da linha de cintura, tão forte que a pancada ecoou por toda a rua. Não se sabe se de raiva ou de dor, o certo é que não demorou quase nada e o danado começou a clarear devagarzinho e logo ele estava com toda a sua potência de luz e brilho, clareando tudo.

Na noite seguinte, Luizinho esperou a reação do poste, pensando que, depois daquela porretada, o poste se mancaria. Mas, qual o quê! Escureceu e nada do teimoso acender. Outra chibatada, desta feita, na boca do estômago e mais uma vez o poste acendeu ligeirinho.
Foi assim durante quase um ano. O miserável do poste só acendia depois de levar uma boa cacetada. Era mesmo um poste que gostava de apanhar.
Mas, o mais espantoso ainda estava para acontecer.
Conta Luizinho que, certa vez, já era noitinha, dirigiu-se ao poste como de praxe, para dar-lhe a costumeira porrada vespertina . Levantou o braço justiceiro e nem chegou a desferir o golpe, porque ao olhar atentamente para o poste viu que o coitado tremeu e se encolheu todo como se estivesse apavorado e, antes mesmo de receber a paulada, começou a acender rapidamente, o que levou Luizinho a baixar o braço e a concluir que aquele poste era malandro, tinha sentimentos, sentia dor e, como qualquer ser do sexo masculino, morria de medo de levar uma cacetada naquele lugar.

Eu sei que esta estória é muito estranha e difícil de passar pelas tripas de qualquer cristão, mas, em se tratando de Luizinho, que é um baita porteiro, sério e idôneo, é bom não duvidar, porque a palavra dele é, foi e será sempre um tiro, ou melhor, uma cacetada.

O MILAGRE DAS MELANCIAS

Aquele vetusto e solitário mosteiro de Nossa Senhora de Lourdes, ainda está lá, no alto da verdejante colina, desafiando o tempo, firme como uma rocha, emoldurado por sicômoros e ciprestes frondosos e pelas centenárias palmeiras imperiais, onde graúnas, xexéus e corrupiões, gorjeiam seus trinados, na sinfonia matinal da natureza.

O céu ainda é o mesmo, quase sempre nublado e melancólico. O clima de montanha nos oferece um frio ameno e agradável. O sol tímido e preguiçoso, tem sempre um pretexto para quase sempre acordar tarde e não sair.

Neste recanto bucólico e abençoado, morada do silencio e da paz, na aprazível serra de Guaramiranga, lá no meu Ceará, eu tive o privilégio de viver, por alguns anos, na companhia dos austeros monges capuchinhos, entoando as matinas e laudas e pude conhecer de perto um virtuoso e santo monge, que tinha a fama de milagreiro.

Na cidadezinha de Guaramiranga, que se derrama desordenadamente aos pés da serra, todos conheciam Frei Roberto, pois dele já tinham recebido alguma bênção ou favor e ninguém duvidava de suas virtudes e das histórias de milagres que a ele eram atribuídas. O mais famoso, o milagre das melancias, aconteceu mesmo e eu sou testemunha.
Havia na cidade, um caboclo, de nome Nôzinho, amigo dos frades, muito trabalhador e temente a Deus e que possuía um roçado, nas cercanias do mosteiro, onde costumava cultivar melancias.

Apesar dos cuidados que o caboclo dedicava à plantação, não havia jeito: nunca conseguia colher uma safra que prestasse, pois as poucas melancias que medravam, não se desenvolviam e não se prestavam ao consumo humano e só os porcos aproveitavam.
Um dia, o caboclo, que conhecia bem os poderes de Frei Roberto e nele depositava muita fé, teve a idéia de procurá-lo para contar-lhe sua frustração e pedir ao santo homem que abençoasse o seu roçado ou, pelo menos, colocasse os pés naquele terreno infrutífero.
Dito e feito: Frei Roberto, solícito e caridoso como sempre, atendeu ao rogo do caboclo e organizou, depois da missa, uma pequena romaria à roça de Nôzinho, com a participação de alguns fiéis e de vários frades.
Naquela época eu era noviço e, como não poderia deixar de ser, fui também incluído naquela santa romaria.
Caminhamos por cerca de meia hora por uns atalhos cheios de urtigas, carrapichos e pega-pintos. Quando chegamos ao local, já nos esperava Nôzinho, com a mulher e os três curumins, no meio do roçado.
Frei Roberto pediu silêncio, vestiu o sobrepeliz, cingiu-se da estola e começou a rezar contrito, os olhos cerrados e voltados para o céu, em colóquio profundo com Deus. Depois retirou do bolso do hábito, um pequeno frasco com água benta e traçou no ar uma larga cruz, espargindo e abençoando toda a plantação.
Mãos postas e de joelhos na areia, a tudo Nôzinho acompanhava com os olhos marejados da mais autêntica fé

Alguns meses se passaram e chegou finalmente a época de colheita. Mas ninguém se lembrava mais da romaria de Frei Roberto. Nôzinho, porém, de nada tinha esquecido: depois da missa foi ter com Frei Roberto e, sem nada adiantar, convidou-o a ir ao seu roçado, porém, com uma condição: todos os frades do convento teriam que ir também.
Era uma missão difícil para o frade, convencer o Superior do Convento a interromper a rotina e liberar todo mundo para ir simplesmente a um roçado. Mas, como tratava-se de um pedido de Frei Roberto, tudo se tornou fácil. E, assim, lá se foi aquela fradaria toda, morro abaixo, rumo ao roçado de Nôzinho, fazer o quê, ninguém sabia
Ao chegar, logo nos deparamos com uma grande cabana, bem alta e rústica, recém construída no meio do roçado, com galhos e cipós entrelaçados com palhas verdes e, embaixo, meio escondido com folhas, um enorme amontoado de melancias grandes e pesadas, madurinhas de dar água na boca.
Todos ficamos muito admirados e sem entender bem o que estava acontecendo.
Foi quando Nôzinho, terminando os salamaleques e beija-mãos dos frades, resolveu falar, matando a curiosidade de todos:

- Eu chamei os reverendos aqui, primeiro para que todos vejam o milagre que o Frei Roberto fez, depois que rezou e jogou água benta no meu roçado. Quero pagar também a promessa que eu fiz de dar a Frei Roberto e aos outros frades, a primeira safra todinha das melancias do meu roçado. Pois taí ! O santo é forte, o milagre é grande e tem melancia prá todo mundo!”

Dizendo isso, tirou da cintura um reluzente e comprido facão e começou com um golpe só a abrir, uma a uma, as melancias em bandas, com a destreza de um samurai e saiu distribuindo uma banda para cada frade. Reservou, porém, a maior e mais bonita, que entregou inteirinha a Frei Roberto.
Apesar do esforço, o frade, que era magro e franzino, não conseguiu sequer erguer aquela melancia descomunal e precisou de auxilio para levantar a oferenda ao céu e rezar: -“ Bendito sejas ó Deus pai onipotente, pela abundância dos frutos desta horta. Nós te agradecemos porque mostraste o teu poder e a tua misericórdia por intermédio do teu mais humilde servo...”

Não houve tempo nem para dizer amém, pois se o calor era grande, a sede era maior ainda e os frades, esquecendo a cerimônia e a mortificação da gula, caíram como piranhas famintas sobre as indefesas melancias que, em pouco tempo, foram destroçadas e reduzidas a um montão de cascas.
Todos se fartaram e ainda teve frade que levou melancia prá casa.
A partir daí, nunca mais faltou safra de melancia no roçado de Nôzinho. E muito menos no convento.

O DESENCONTRO DE DUAS ALMAS BIRUTAS

Alma 1 – Oi! Bom dia! (boa tarde ou boa noite. Apertam as mãos. Trajadas de alma)
Alma 2 – Oi! Bom dia!
Alma 1 - Não acredito! Não vá me dizer que não é você!!! Não está lembrada de mim?
Alma 2 – Claro que não estou, porque eu não sou eu. Não está vendo que já morri? Olha aqui o meu atestado de óbito! ( mostra um papel). E se eu não sou eu, como é que vou me lembrar de você?
Alma 1 – Eu também não sou eu porque eu não existo, morri. Morri primeiro que você e nem precisei de atestado de óbito. Todo mundo viu eu morrendo.E também não faço a menor idéia de quem seja você. Nunca a vi mais gorda. .
Alma 2- E eu muito menos... Nunca a vi mais magra
Alma 1 – Por falar em morte, como foi que você morreu?
Alma 2 – Desastre Eu vinha na garupa de uma moto, numa estrada, a 180 km. por hora e o meu namorado bateu de frente com uma carreta carregada de vergalhões de aço, também em alta velocidade.
Alma 1 – E vocês se machucaram muito?
Alma 2 – Que nada! Só pequenos arranhões. A carreta é que ficou reduzida a um montão de ferros retorcidos e fumegantes. E o motorista virou patê.
Alma 1 – Não é possível! Vocês não sofreram nada??? Não ficaram esmagados??? Não ficaram presos nas ferragens???
Alma 2 – Aí eu não sei. Só sei que ouvi um estrondo horrível e desmaiei; e quando abri os olhos vi que já estava morta
Alma 1 – Então vocês morreram do susto, não foi?
Alma 2 – Exatamente. Tudo indica. Acredito que sim.
Alma 1 – E você morreu de quê?
Alma 2 – Desastre também. Quando eu morri de morte natural, meus parentes me levaram para ser sepultada na cidade onde eu nasci, conforme meu desejo. No meio do caminho, o carro da funerária em que eu ia bateu num jumento que vinha na contramão; capotou cinco vezes e o meu caixão foi jogado longe e caiu no meio da estrada. Uma carreta, dessas de 36 pneus, passou por cima do meu caixão. Eu e meu caixão viramos massa de fazer pastel com enchimento de carne de jumento.
Alma 1 – Ai, meu Deus! Você deve ter sentido uma dor horrível!
Alma 2 – Também não me lembro de nada, porque todo dia eu tomava remédio para a memória, e nesse dia eu tinha esquecido de tomar.
Alma 1 – Não é engraçado? Eu nunca vi você e você nunca me viu, porque eu já morri e você também já morreu, e parece que nós já nos conhecemos há bastante tempo.
Alma 2- É verdade. Ás vezes parece que eu tenho uma vaga lembrança de você. Eu fico procurando me lembrar. Parece que eu já vi você em algum lugar. Um dia desses eu ia caminhando no parque e dei de cara com uma anta., e aí eu me lembrei logo de você.
Alma 1 – Isso me dá até vontade de rir, porque acontece comigo também. Um dia desses eu ia caminhando na calçada e tropecei num montão de lixo, e aí eu também me lembrei logo de você.
Alma 2 – Obrigada por você ter se lembrado de mim.
Alma 1 – Obrigada também.
Alma 2 – Mudando de assunto e permanecendo na mesma conversa, me diga uma coisa: você não é aquela moça que era magra e agora ficou gorda?, Que era feia e agora tá mais feia ainda? Que não saía cedo de casa porque tinha medo de ser assaltada e agora tá saindo?, Que não pegava o ônibus com medo que ele pegasse você e agora tá pegando?, Que não ia para o trabalho porque não gostava de trabalhar e agora tá indo?
Alma 1 – Negativo. Nunca em tempo algum fui nada disso e muito menos fiz nada do que você está dizendo. Estou vendo é que você está querendo me deixar biruta É melhor a gente encerrar por aqui esse papo idiota de duas abestalhadas que nem ao menos se conhecem. Logo eu que detesto falar com gente desconhecida.
Alma 2 – Você tem toda razão. Eu também odeio falar com gente que eu não conheço. Vamos fazer o seguinte: faz de conta que eu não falei com você e você não falou comigo, certo? Aliás, almas do outro mundo não falam. Você já viu alguma alma do além ficar tagarelando por aí? Portanto, dê cá de volta o meu bom dia e o meu aparto de mão e tome lá de volta o seu bom dia e o seu aperto de mão.
Alma 1 – Passar bem
Alma 2 – Passar mal.



José Oilton de Menezes
Julho/2009

Mentiras, mentirinhas, mentironas

Compadre 1 – Oi, compadre, tudo bem? Como vai ocê?
Compadre 2 – Tudo na santa paz, tudo nos conformes, compadre.
Compadre 1 - Como vão as coisas?
Compadre 2 – Vão indo como Deus quer e consente.
Compadre 1 - E comadre Zefinha, como vai? Melhorou da dor nas cadeiras?
Compadre 2 – Tá melhor, mas agora tá vazando pelo pito depois que andou comendo um tal de vatapá muito carregado na pimenta e no dendê, na casa de Rosinha Baiana. Se mete a comer essas comidas que não tá acostumada e dá nisso. Já tomou até chá de rosca, tampão e rolha de cortiça, e a hemorragia catingosa não quer estancar.
Compadre 1 – Um dia desses eu também tava com uma fininha que não tinha jeito de passar. Me arretei e tomei por minha conta duas colheres de sopa de cimento branco diluído em um copo dágua. Passei uns quinze dias com o fiofó lacrado, pedrado. Num passava nem vento. Tive que tomar um purgante de folha de carrapateira com umas gotinhas de óleo lubrificante e aos poucos fui voltando ao normal.
Compadre 2 – E aí, compadre, o que é que ocê tem feito da cintura prá cima?
Compadre 1 – Tô atualmente trabalhando na fazenda do deputado Zé Costa.
Compadre 2 – É verdade que a fazendo do homem é mesmo aloprada de grande?
Compadre 1 – Bota grande nisso, compadre! Prá ocê ter uma idéia do tamanho, basta dizer que pela planta da fazenda consta que ela tem cinco açudes, com 50 km quadrados cada um. A bicha é tão grande que tem um avião teco-teco que já faz uma semana que sobrevoa ela e ainda não avistou os açudes..
Compadre 2 – Vai ser grande assim no raio que o parta, sô! E o que é que ocê f az lá, compadre? .
Compadre 1 – Faço de tudo. Sou peão, capataz, vaqueiro, amansador, zelador...
Compadre 2 – Você deve ter muita história e causos interessantes prá contar, não é?
Compadre 1 – Um bocado...
Compadre 2 – Se não for pedir muito, dava prá você contar algum causo?
Compadre 1 – Eu não gosto muito de sair contando por aí as minhas histórias porque as pessoas ficam pensando que eu tô mentindo, tô inventando, tô exagerando, quando isso não é verdade, pois eu só digo a verdade e tenho raiva de quem não fala a verdade. Acho isso uma coisa muito feia. Mas, como é prá atender um pedido seu, compadre, vou contar um causo que aconteceu comigo na fazenda, coisa de um mês atrás.
Como você deve saber, eu sou um vaqueiro muito bom, experiente e nunca apanhei de nenhuma rês. Mas, nesse dia, tinha uma novilha fujona que tava dando um trabalho danado prá se juntar com o resto do gado. Desembestou por dentro da garrancheira, parecia que tava com o cão no couro. Aprumei o cavalo e saí em disparada atrás da bicha, abrindo caminho pelo mato seco cheio de garranchos, cipós e espinhos, até conseguir dominar a danada. Como já tava tarde, fui prá casa. Minha mulher quando me viu deu um grito de espanto. -Valha-me Santo Cristo do Ipojuca! O que é que houve com você, homem? Você tá só com um olho na cara!
Foi quando passai a mão no rosto melado de sangue, me olhei no espelho e vi que realmente eu tinha um olho e só o buraco do outro olho.
-Já sei o que aconteceu, disse eu para a minha mulher, um garrancho arrancou meu olho, eu tava com o sangue quente e não notei nada; e já fui montando no cavalo e dando meia volta em direção ao matagal onde eu tinha começado a perseguição da novilha.
Procurei, procurei o olho, e nada. De repente, avistei um caminho de formigas. Fui seguindo as formigas e quase não chego a tempo, porque elas iam carregando o meu olho e já estavam fazendo manobras prá entrar no formigueiro.Dei um bote , agarrei meu olho, bati ele numa pedra e assoprei as formigas, coloquei ele no lugar e tratei de voltar prá casa. Ficou tudo tão direitinho que a minha mulher nem notou nada. Graças a Deus tô até hoje com meu olho firme e enxergando tudo.
Compadre 2 – Compadre, essa eu mereço; por hoje tá bom até demais. Não precisa contar mais outro caso, não. Esse é brabo, mas eu consegui engolir. O que vai ser difícil é fazer a digestão.
Compadre 1 – Eu não disse que iam me chamar de mentiroso? Quando quiser ouvir outras historinhas procure outro besta pra contar, viu compadre? E se não conseguir fazer a digestão, tome um chazinho de bosta de cachorro. É tiro e queda.


José Oilton de Menezes
Julho/2009

MENTIRA LÁ E CÁ

Compadre 1 - Quanto tempo que a gente não se vê, hein compadre?
Compadre 2 – É... faz um tempão
Compadre 1 – Você arribou junto com a família... não disse nada pronde ia...Eu sei que não é da minha conta, mas pra onde o compadre foi mesmo?
Compadre 2 – Fui pras bandas do sul e já estou com mais de um ano lá.
Compadre 1 – E tá gostando de lá?
Compadre 2 – Tô não, compadre. Chove muito e faz muito frio. Um dia desses caiu uma chuva tão cachorra da mulesta que tudo o que era de peixe e sapo cururu morreu afogado. E o frio nem se fala. Os meninos acordam de manhã, vão fazer xixi e não conseguem; a urina tá congelada. Saio batendo nas bexigas deles com um tamanco até quebrar o gelo, e mesmo assim eles ficam urinando umas pedrinhas bem miudinhas. Minha mulher tava com muita saudade da terrinha dela e inventou de chorar. Em vez de lágrima saiu um monte de pedrinhas de gelo do canto dos olhos dela.
Compadre 1 – Eita lasqueira! É frio de lascar! Frio assim só no Alaska mesmo, né compadre? E o que é que você veio fazer por essas bandas?
Compadre 2 – Vim dar um pulinho por aqui, rever os amigos e matar a saudade. Como é que tão as coisas por aqui, compadre?
Compadre 1 - De mal a pior. Tudo seco. Já perdi a conta do tempo que faz que não cai uma gota dágua. Você fez muito bem em sair daqui, compadre. Os animais de criação ainda não morreram todos porque os donos arranjaram um jeito de colocar uns óculos verdes neles e eles ficam vendo tudo verde saem comendo tudo que encontram pela frente pensando que é pasto. A fome por aqui ta tão grande que chegou uma banda de música pra se apresentar na cidade e saíram logo correndo. Comeram a flauta doce. e o couro dos tambores e do pandeiro. Vidro temperado aqui não se acha em canto nenhum: já comeram tudo. Quem é da família Leitão, Carneiro, Leão, Coelho, Tigre, Camelo, Bezerra, Pêra, Peixe, Lima, Pitanga, Salgado, Pinto, tá morrendo de medo de ser devorado, e tá todo mundo correndo pro cartório pra mudar de nome.
Compadre 2 – E as caçadas? Tem caçado muito?
Compadre 1 – Dei uma paradinha porque ando meio traumatizado com umas coisas estrambóticas que andam acontecendo na fazenda.
Compadre 2 – Como assim?
Compadre 1 – Eu tava caçando marreco num dos açudes aqui da fazenda quando, de repente, saíram da água dois rolos de cobra, mais ou menos da grossura de um ônibus cada uma e do tamanho de um trem de carga cada uma. E já saíram brigando, se enroscando. Não sei se era briga de marido e mulher. Saí correndo em disparada e me escondi bem longe dentro de uma moita e fiquei só de butuca olhando. De repente, uma das cobras começou a engolir a outra começando pelo rabo e a mesma coisa a outra cobra fez engolindo a outra também pelo rabo. Era cobra engolindo cobra. Nessa brincadeira, passaram quase uma hora se engolindo, e eu notei que elas iam desaparecendo aos poucos. Chegou a um ponto que não sobrou mais nada de cobra. Elas tinham se engolido. Fiquei todo arrepiado, me aproximei meio apavorado e vi que só tinha ficado o molhado no chão.
Compadre 2 – Você sabe que eu também adoro caçar. Vi você falar em cobra e me lembrei de um episódio que aconteceu comigo também lá na fazenda onde eu moro.
Compadre 1 – Compadre, por falar em fazenda, a fazenda onde você mora é muito grande?
Compadre 2 – O dono tá ate´pensando em vender porque tá tendo prejuízo com os animais que se perdem na fazenda por causa do tamanho dela e dificilmente são encontrados. Um dia desses tinha uma vaca que tava desaparecida já fazia um ano e acharam ela a 950 km de distância e ainda tava dentro da cerca da fazenda. A danada saiu andando e pastando, andando e pastando e foi bater no meio do mundo. Por aí você pode ter uma idéia do tamanho da fazenda... Mas, como eu ia dizendo, semana passada o patrão me mandou fazer uma viagem por dentro da fazenda para entregar uma encomenda a um amigo dele. Peguei a caminhonete e saí bem cedinho. Viajei o dia todo e já tava escurecendo quando avistei um enorme túnel que eu nem sabia que existia na fazenda. Liguei os faróis do carro, entrei no túnel e andei mais ou menos durante uma hora numa velocidade de 80 km. Num certo momento o túnel começou a se estreitar, a se afinar, a se afunilar de tal modo que não permitia mais a passagem de nada.Era como se fosse um rabo que ia afinando. Achei aquilo muito estranho e tratei de dar marcha-à-ré, fazer a manobra e percorrer todo aquele caminho de volta. De novo na entrada do túnel, liguei o farol alto e quase caí pra trás de susto. Não era túnel coisíssima nenhuma. Era uma gigantesca jibóia dormindo de boca aberta. Me afastei devagarinho pra não acordar a bicha e tratei de dar no pé.
Compadre 1 – Isso aí que você contou, compadre, não chega nem aos pés do que aconteceu comigo um dia desses. Tava caçando na fazenda e depois de algumas horas me sentei debaixo de um pé de juazeiro, bebi um goles dágua e pendurei a cabaça ainda quase cheia num galho e adormeci de cansaço. Acordei e fui embora, e já muito longe a sede apertou e eu procurei a cabaça e vi que tinha esquecido dela onde eu tinha dormido. Tratei de voltar, mas terminei me perdendo e não encontrando mais o lugar onde a tinha deixado. Passaram-se mais ou menos uns seis meses e eu fui caçar de novo naquele mesmo local. Mas nem me lembrava mais da tal cabaça dágua..De repente e sem querer dei de cara com a cabaça que eu tinha perdido, só que o sol tinha queimado e apodrecido a cabaça e tava só a água pendurada no galho. Peguei uma cuia que eu levava comigo e aparei a água e bebi um bom gole. Tava boazinha, fresquinha. Parecia água de coco.
Compadre 2 - Compadre, depois dessa eu tava até pensando em contar outra, mas acho melhor parar por aqui porque tá muito difícil encontrar uma mentira mais cabeluda do que essa.
Compadre 1 – Até mais ver, compadre.
Compadre 2 – Até mais ver.

A mosca de Barack Obama

O estrepitoso tabefe que o presidente Barack Obama desferiu naquela mosca que o importunava durante uma entrevista na Casa Branca ecoou rapidamente nos quatro cantos do planeta. De repente, o que parecia ser apenas uma cena simples e rotineira de uma pessoa tangendo e tentando livrar-se de um inseto insistente, e importuno, transformou-se num ato antológico, reprisado milhares de vezes nas televisões do mundo todo, como se tivesse sido praticado por uma entidade sobrenatural, um ídolo, uma divindade.
Apesar do ritual cabalístico que precedeu aquele acontecimento, com o presidente tentando demonstrar um estágio avançadíssimo de concentração mental, um estado de alerta leonino, uma aguçadissima acuidade sensorial, uma agilidade felina, uma desenvoltura e precisão de golpes próprias de um ninja, na realidade, tudo não passou de uma farsa, de um arrumadinnho muito bem montado e ensaiado. Isso se considerarmos que, de acordo com os cientistas da Nasa, contratados para estudar o caso, uma vez calculados o peso e a velocidade do impacto da mão do presidente sobre o frágil artrópode, salta aos olhos a óbvia conclusão de que, pelo aparente grau de violência com que foi desfechado o retumbante tapa, era de se esperar que o desafortunado díptero tivesse caído esmagado, coisa que não aconteceu, pois o animal caiu em decúbito dorsal, sem fraturas ou escoriações aparentes, dando a nítida impressão de que estava apenas desacordado ou fingindo-se de morto.
Isto foi exatamente o fato gerador da especulação que rapidamente se espalhou, à boca miúda, de que a mosca teria sido subornada ou até mesmo dopada para se deixar apanhar. Prato cheio para a oposição que, ávida para derrubar ainda mais os índices de popularidade do presidente, que já dão sinais de declínio, tratou logo de estudar aquele episódio em todos os seus aspectos, enfoques e ângulos. Para tanto, convidaram, parapsicólogos, médiuns, os maiores especialistas em insetologia, em artes marciais, ioga e, como não poderia deixar de ser, chamaram até aquele monge budista do filme Karatê Kid, que desafiava as leis da física apanhando com uma pinça moscas em pleno vôo.
Um dos entomólogos contratados recebeu a árdua tarefa de descobrir entre as mais de oitenta mil espécies de moscas já catalogadas, a que família pertencia aquela insolente e atrevida mosca; e também saber por que ela insistia tanto em pousar na face do ilustre mandatário americano.
De acordo com os comentários maldosos que logo tomaram vulto, o assédio da mosca se deu por que o homem mais poderoso da terra estaria relaxando a sua rotina de tomar banho diário, ou teria esquecido de fazer a profilaxia bucal matinal, o desodorante axilar já estaria vencido, etc. Foram exaustivamente estudados também os hábitos, o comportamento e as táticas utilizadas pelo pega-moscas, pequeno e curioso inseto que se alimenta de moscas e se destaca pela extrema agilidade e precisão absoluta, quase infalível, com que se aproxima da presa para desferir-lhe o bote certeiro. E ele só consegue essa façanha graças ao instinto natural aguçadíssimo de que é dotado. Daí a achar que o Obama seja possuidor desse impulso animal, é improvável, é impossível. E tudo isso para provar que o ilustre e tão incensado primeiro presidente negro dos Estados Unidos não passa de um mosca-morta, incapaz não só de matar qualquer inseto lento e rasteiro, muito menos realizar a proeza de apanhar uma mosca em pleno vôo, visto que esse díptero esquisóforo é perito na arte de voar, sendo considerado um dos animais mais ágeis da natureza.
Por outro lado, os americanos, que convivem diariamente com a paranóia do medo dos ataques terroristas, ao presenciarem aquele objeto até então não identificado rodeando insistentemente o presidente, acionaram imediatamente o alerta maximo e trataram logo de colocar em prontidão o Ministério da Defesa, principalmente o esquadrão anti-bombas e a brigada anti-terrorismo, considerando que aquele minúsculo objeto voador poderia ser um simples inseto, mas também poderia ser um mini-satélite espião, de tecnologia avançadíssima, enviado pelo Irã ou pela Coréia do Norte, para espionar a Casa Branca, estudar os hábitos do presidente ou, quiçá, até matá-lo. Felizmente, para alívio geral, prevaleceu a primeira hipótese.
Não perderam tempo também os humoristas e piadistas de plantão que sugeriram à Casa Branca que fosse criado um programa diário de televisão, cujo título poderia ser “Aprenda com Obama a se livrar das moscas”, “ O Homem mais Rápido que a Mosca”, ou simplesmente “O Mosca”, onde o presidente traria a público o seu segredo na arte de apanhar moscas voando, ensinando a todos como se livrar desse incômodo inseto alado. Predisseram também que o todo poderoso chefe de estado ao deixar a Casa Branca, no final de seu mandato, já estaria com emprego garantido numa grande empresa de dedetização, onde poria em prática o seu revolucionário método de matar moscas e outros insetos, sem a utilização dos nocivos inseticidas, pesticidas, fungicidas, etc.
Enquanto isso não acontece, aqui ficamos nós fazendo votos para que o grande chefe ianque nunca deixe a Casa Branca entregue às moscas, não fique por aí tentando matar moscas na base da porrada, não fique pensando que encontrou a mosca azul, e coloque, uma vez por todas, uma pá de cimento no padecimento que foi a era Bush e suas bushadas, porque, aqui pra nós, pior do que Bush, só chute no fazedor de pipi. Esperamos também que ele reserve toda a sua agilidade e destreza para dar boas e certeiras tapas no pé do ouvido das muitas moscas e mutucas insanas que andam por aí infernizando a vida do povo, tais como, Hugo Chaves, Evo Morales, Mahmud Ahmadinejad, Osama Bin Laden e, de modo especial, a mosca louca e atômica Kim Jong-Il, entre outras. Fazendo isso, todos irão dizer que o exterminador de insetos Barack Obama, com certeza, está acertando na mosca.

O dia das Mães de Mãe

Pense num diazim agitado e complicado. Dia das mães com sol já é embaraçoso, imagine você, esse glorioso dia com chuva, muita chuva. Todo dia das mães deveria ser ensolarado, brilhante, lindo, como as mães merecem. Mas, não se sabe o que deu em São Pedro, que não parou um minuto de mandar água o dia todo. Parecia que estavam fazendo faxina no céu. A bíblia não faz nenhuma menção à mãe de Pedro, e sim à sogra de Pedro, que estava de cama com febre alta e Jesus a curou. E, em se tratando de sogra, nem se sabe ao certo se Pedro gostou desse milagre. Será que... bom, deixa isso pra lá porque não é certo brincar com coisa séria; é melhor voltar ao tema.
Não seria nada demais se o dia das mães fosse também chamado de dia do engarrafamento, do entupimento, do corre-corre, do fuzuê, do deus-nos-acuda, do salve-se-quem-puder. Para qualquer lugar que você se atreva a ir, se arrisca a ser atropelado, espremido, chutado, e a ficar engarrafado, preso... sem falar na canseira e quebradeira que vêm depois.
Pra começar, na véspera, pai inventou de dar uma guaribada, um grau na casa. Ele já está escorregando na casa dos 70, mas, de vez em quando, quer dar uma de cavalo do cão, e também não gosta de ser chamado de velho; diz que é apenas avançado em anos...Não está nem aí pros bicos-de-papagaio, de arara e de tucano que tem na coluna Já no finalzinho da tarefa, se baixou prá pegar num sei o quê, deu um estalo no rodapé do espinhaço e pai ficou com a imagem congelada durante uns 20 segundos, sem se mexer, estatelado e com aquela cara de cachorro cagando na chuva.
- É bem arriscado ser hérnia de disco, disseram logo. Ao que mãe foi logo emendando: -Isso é castigo pra ele largar essa mania de comprar disco fuleiro.
A comemoração foi num restaurante chique e, como já disse, debaixo de chuva. Desde cedo, mãe vinha alertando que no dia das mães tudo é difícil, principalmente vaga em restaurante. Portanto, era preciso sair cedo. E foi o que fizemos. Dez horas, e lá estava todo mundo de plantão na porta do estabelecimento, e ainda pegamos a peãozada passando pano no chão e arrumando as mesas. Mesmo assim, deixaram a gente entrar e ficamos acomodados em uma mesa de sete lugares. Pra matar o tempo, ficamos olhando velhas e saudosas fotografias da família, botando conversa fora e pondo as fofocas em dia Não demorou muito e começou a chegar gente de todo tipo, idade e tamanho e, em pouco tempo, o restaurante estava lotado, tipo para entrar um, tem que sair outro, com fila do lado de fora para entrar. Tinha família com dez, vinte pessoas e com membros da primeira, segunda, terceira, quarta geração... de recém-nascido a centenário. Teve gente que achou pouco e levou logo duas, três mães; mãe biológica, mãe-de-criação e até mãe-de-santo. Muitos chegavam com presentes, flores...O que chamou a atenção foi um sujeito que chegou depois com dois quadros enormes embrulhados em papel-presente, com laço e tudo, insistindo em abrir caminho por entre aquele aglomerado de gente para chegar à mesa onde estava sua mãe lá no sul do restaurante, não sem antes acertar alguns empurrões e tacadas na cabeça do pessoal. Daí pra frente foi só barulho, muita gente impaciente, e comida que é bom...A criançada, de garfo e faca nas mãos, aproveitou para tocar bateria nos pratos, aumentando a barulheira. Os garçons estavam mais perdidos do que cachorro quando cai de mudança. Ninguém se entendia e andavam de lado para outro apavorados com tanta gente e sem saber a quem atender. Depois de muito tempo e muita súplica finalmente chegou, para alívio geral, a nossa famigerada (seria mais fomegerada) e tão esperada picanha dupla e, para decepção geral, incompleta e em total desacordo com o pedido, ou seja, pedimos magra e veio obesa e faltando alguns acompanhamentos essenciais. Mãe arretou-se, deu logo um baile e perguntou se a picanha era de tartaruga... se o prato vinha da Amazônia, etc...
Devolve tudo! Antes não tivesse devolvido, porque passou um tempão e nem sinal da nova picanha. Os garçons faziam ouvido de mercador e passavam por nós em alta velocidade, equilibrando enormes bandejas no alto, e de cabeça baixa como se não quisessem ser reconhecidos. O jeito foi abrir o bocão. E foi o que valeu, porque logo acudiu um garçom baixinho, gordinho e simpático, que tomou todas as nossas dores e protestos, prometendo nos atender no melhor do capricho. Recolheu a picanha e os acessórios dizendo que ia trazer logo um produto de primeira e, por incrível que pareça, até que não demorou muito a voltar. Só que o malandro trouxe a mesma picanha, disfarçada, com nova arrumação; tinham feito apenas uma rápida lipoaspiração, por sinal muito mal feita. Não adiantava mais discutir e a melhor alternativa foi aceitar a picanha e tratar de comer porque, a essas alturas, a barriga já estava implorando qualquer coisa.
Foi o mais demorado e tumultuado almoço do dia das mães que já comemoramos. Mas valeu e, no final, terminou todo mundo rindo daquela divertida aventura e com a certeza de que tínhamos procurado fazer o melhor que pudemos para homenagear nossa querida mãe, aquela cujo coração é feito do melhor filé, da melhor picanha do mundo.

José Oilton de Menezes
Maio/2009

Operaçao Capoeira

O que era para ser um simples e rotineiro traslado de uma galinha de capoeira, do centro da cidade do Recife até o bairro de Boa Viagem, uma ridícula distância de 08 quilômetros, transformou-se numa das mais intrincadas, complicadas, arriscadas e folclóricas operações, somente comparável à “Fuga das Galinhas”, envolvendo, nada mais nada menos, que 06 tipos de transporte, 08 dias gastos no percurso e cerca de 20 profissionais, entre batedores, rastreadores, serviço de escuta, radioamadores, matemáticos e calculistas, baú de mudança, bicicleta, moto boy, ônibus, táxi, van, barco, asa delta, monomotor, e até uma equipe de maratonistas de revezamento 4 x 4.
Inicialmente chegou-se até a pensar que a galinha tinha contribuído cobrindo ela própria o percurso de 01 quilômetro com seu próprio vôo rasante e pesado, mas depois se concluiu, pasmem os leitores, que se tratava de uma galinha de aproximadamente 1,5 kg., com mais ou menos 30 cm de envergadura, morta há cerca de 30 dias e mantida sob temperatura abaixo de zero, a julgar pelo aspecto esquálido e livor cadavérico.
Segundo estudos dos matemáticos, projetistas e calculistas envolvidos nessa mega operação, o absurdo tempo gasto para conclusão dessa tarefa, daria, em situação normal, para conduzir e trazer de volta essa mesma galinha ao Japão, usando um único tipo de transporte: o avião. Outro cálculo muito curioso também feito é que 08 dias seria mais ou menos o tempo que uma galinha gastaria para vir andando do centro da cidade até Boa Viagem.
Historicamente essa galinha tinha sido prometida há cerca de 6 meses e dada de presente por uma filha a uma mãe que desejava satisfazer um desejo antigo, ou seja, saborear uma galinha de capoeira.. Só que a ofertante é muito atarefada e, por mais que pensasse, não conseguia encontrar alguém ou algum meio de entregar, com segurança, a encomenda. Para não frustrar as expectativas de sua mãe, ligava quase todo dia informando que a galinha, (primeira informação) tinha sido despachada e que vinha de carona num baú de mudanças. Depois, ( segunda informação) que um ciclista que morava em Boa Viagem tinha se prontificado para trazer a penosa. Depois, (terceira informação) que tinha pago um moto boy e que a entrega ocorreria em meia hora. Depois, (quarta informação) que um motorista de ônibus tinha se oferecido para trazer. Depois, (quinta informação) que tinha fretado um táxi especialmente para fazer a entrega Depois, (sexta informação) que um pescador amigo dela tinha se encarregado de entregar o pacote, cobrindo o percurso a nado. Depois, (sétima informação) que tinha contratado também um instrutor de asa delta e um praticante de vôo de monomotor, garantindo que em coisa de minutos a galinha seria entregue. Depois, que estava havendo uma corrida de maratonistas já em preparação para as olimpíadas e que se ofereceram para trazer correndo a ave até Boa Viagem no sistema de revezamento 4x4 ( ao invés de passar o bastão de um para o outro, passariam a galinha de um para o outro) Só faltou mesmo dizer que a poedeira ia ser entregue via sedex, com pagamento de taxa de urgência.
Por um desses milagres raros do destino a ave ciscante chegou ao destino em razoável estado de conservação ( alguns hematomas, escoriações e uma fratura exposta), depois que todas as esperanças tinha se desvanecido e ninguém esperava mais receber nada.

. Mesmo assim, a mãe, mais que depressa, tratou logo de preparar e temperar a cocoricó que foi, sem meia conversa, devidamente degustada. Como represália justa e oportuna, e como se a galinha ainda existisse, agora vai começar a convidar a filha para um galináceo e supimpa almoço à capoeira.
Adivinhem para quando e de que jeito...

Oilton Menezes
12/02/2009

O encontro das Canetas

Certa vez, uma pequenina e humilde caneta, teve a brilhante idéia de convidar todas as canetas do mundo para um encontro – o I Encontro Mundial de Canetas.

Pensou até em convidar os lápis, mas, depois, ponderou: é outra classe, é outra família ! Lápis são frágeis e quebradiços e um encontro desses seria um desastre para eles. Além do mais, não são confiáveis; o que escrevem, pode ser facilmente modificado ou apagado e é por isso que andam com uma ridícula borracha em forma de capacete na cabeça. Estão quase sempre vestidos de preto e são manipulados por crianças que os mordem e torturam, sem falar nas atrocidades e mutilações que lhes causam os apontadores, as giletes, os canivetes e os estiletes.
Decidiu então: o encontro será única e exclusivamente de canetas!

Escolheu o local – um gigantesco estádio – e distribuiu os convites, que eram extensivos a todo e qualquer tipo de caneta, em atividade ou fora de uso, e de quaisquer partes do mundo: penas, canetas – tinteiro, esferográficas, novas, velhas, modernas e ultrapassadas, pobres, ricas, feias, bonitas, deficientes, etc.

A pretensão do encontro era nobre: fazer com que todas as canetas se abraçassem, se conhecessem, se confraternizassem, trocassem idéias e experiências e, principalmente, que cada uma contasse um pouco de sua vida, de sua história, de sua experiência. Uma caneta, seja ela qual for, tem muito a contar, muito a escrever, muito a revelar.

O comparecimento foi em massa e o que se viu foi, além do deslumbrante desfile das ricas e elegantes canetas vindas de quase todas as partes do mundo, o comparecimento, também, de canetas representantes das camadas sociais mais humildes.

-Excelentíssimas senhoras e senhoritas, declaro aberto o nosso I Encontro Mundial de Canetas.! Sejam todas bem-vindas!, anunciou a idealizadora do evento.

A primeira a usar da palavra foi uma caneta riquíssima e belíssima, toda em ouro maciço e puro, cravejada de diamantes, brilhantes e pedras raríssimas. Uma verdadeira jóia de arte. Levantou-se altiva e orgulhosa e lançando um olhar de desdém sobre as demais, assim falou:
-Eu pensei que tinham selecionado melhor as convidadas para esse encontro. Mas, estou vendo que permitiram a entrada a todo tipo de gente... Como vocês podem ver, eu sou uma caneta nobre, que só freqüento palácios e castelos e só ando em companhia de ricos e famosos e sempre sou cobiçada por reis e imperadores. Já assinei sentenças de prisão, de exílio, de morte de reis, nobres, príncipes e rainhas; declarações de guerra, rendição de poderosos chefes de estado derrotados nas guerras. Meu valor é inestimável e o tempo nada poderá contra mim, porque continuo nova e bela apesar dos meus mais de quatrocentos anos...

Não chegou nem a concluir o seu arrogante discurso, porque uma estrepitosa vaia misturada com apupos e imprecações ecoou no monumental estádio, sufocando e calando a voz daquela vedete exibida e petulante.
Acalmados os ânimos, ouviram-se numerosos depoimentos e histórias comoventes, que provocaram até lágrimas de emoção. Cada uma queria contar a quem pertencera ou pertencia, o que já escrevera ou o que ainda escrevia de bom e de ruim.
Já no final, nenhum depoimento causou tanta comoção e levantou tantos aplausos como o de uma pena já muito velhinha, desgastada e frágil, aparentando uns 150 anos que, levantando-se com dificuldade, falou com voz débil e doce:
-Eu sou uma velhinha muito orgulhosa e feliz, porque no dia 13 de maio do ano de 1888, eu tive a subida honra de assinar, pela graciosa mão da princesa Isabel, a lei áurea, acabando para sempre com a vergonha da escravidão no Brasil.! Sei que logo serei devorada pelo tempo, mas espero que ele seja benigno e conserve ainda por muitos anos o precioso papel e os traços que nele imprimi, como testemunho da nobreza e da grandeza da alma humana!

Foi demoradamente aplaudida de pé e carregada depois como se conduz uma preciosa, santa e raríssima relíquia.

Traquinagem

Minha mãe sempre dizia que lugar de criança não era no curral, porque era lá que o meu pai, que se chamava João Batista, costumava ferrar bois, vacas e bezerros, com o ferro em brasa, com a sua marca JB, que era para garantir o seu direito de propriedade. Lá também eram abatidos bois, bodes, carneiros e porcos, que eram pendurados no mourão, de cabeça para baixo, e depois sangrados, esfolados, esquartejados e repartidos.
No início, quando assistia àquelas cenas brutais, eu ficava pálido e trêmulo de medo e muitas vezes saía correndo apavorado, chorando, ao ouvir os berros lancinantes dos animais que esperneavam de olhos esbugalhados, nos estertores da morte, e também quando assistia ao bárbaro ritual de castração, ferração ou marcação do gado, e via a brasa do ferro penetrar no couro dos bichos, com aquele chiado de fritura e o cheiro forte de carne queimada. A ferida ficava em carne viva durante algum tempo e depois ia aos poucos cicatrizando até a marca ficar bem definida e destacada no pelo da anca do animal..
Com o passar do tempo eu fui me acostumando, achando tudo aquilo muito natural e me tornando insensível à selvageria daquele cerimonial macabro, e achava até bonito ver a queda do quadrúpede quando recebia a fortíssima pancada na nuca com o dorso do pesado machado de ferro. Sentia até orgulho de meu pai que tinha fama de derrubar o boi logo na primeira machadada.

Minha mãe não concordava com nada daquilo e até chegava a proibir a nossa permanência nos currais do gado, porque éramos ainda crianças, mas o meu pai fazia vistas grossas e dizia que filho homem tinha que ser cabra-macho e assistir a tudo para ir logo aprendendo, se acostumando e perdendo o medo. Na sua santa ignorância, ele não atinava no mal que aquelas cenas fortíssimas poderiam nos causar. Como, de fato, causaram, principalmente porque toda criança tende a imitar tanto as coisas boas quanto as ruins que vê e ouve dos adultos.
Naquele tempo as opções de brinquedos não eram muitas e a gente vivia inventando brincadeiras e aprontando alguma traquinagem, na mesmice daquela vida simples e monótona do sertão.
Foi numa dessas reinações que meu irmão Expedito teve uma idéia estapafúrdia:

- Vamos brincar de ferrar boi?
- Vamos! respondi com entusiasmo e fui logo correndo buscar o ferro-de-ferrar-boi de meu pai.
Colocamos o ferrete no tripé de pedra ainda com algumas brasas do almoço.
Tudo pronto, o marcador já estava quente, pegando fogo, mas cadê o boi?
Foi aí que avistamos o nosso irmão Aloísio deitado de papo pro ar, nu da cintura pra cima, dentro de um caçuá forrado com folhas de bananeira. O almoço tinha sido peixe do rio, e ele tinha batido um prato fundo de pirão escaldado de cangati ovado e ressonava o sono dos justos. Era o boi que estávamos procurando.
Retiramos o ferro do fogo, vermelhinho, crepitante, já bem no ponto, e eu fui o encarregado de fazer a ferração. Aproximei-me na ponta dos pés para não acordar o “boi”, escolhi o lugar e atochei o ferro em brasa bem no meio do bucho do dorminhoco.O que se ouviu foi o chiado do ferro queimando a carne, e o arrepiante berro do coitado do Aloísio, que deu um grande pulo e saiu correndo gritando de dor, apavorando todo mundo. Foi então que a gente percebeu a grande besteira que tinha feito, e fomos logo correndo para a casa da nossa tia que morava perto, pois ela era a nossa advogada e defensora nos momentos difíceis e de pisa iminente. Chegamos amedrontados, pálidos e ofegantes, e a tia, desconfiada, foi logo perguntando:

- O que é que vocês andaram aprontando dessa vez, seus cabras? Boa coisa não foi, não é?.
- A gente tava brincando de ferrar boi e a gente ferrou o Aloísio.
- Valei-me minha Santa Rita de Cássia! Dessa vez vocês passaram dos limites e eu não vou poder fazer nada pra salvar a pele de vocês, dizia ela horrorizada.
- Pelo amor de Deus, tia, salve a gente, implorávamos de joelhos, de mãos postas e jurando nunca mais fazer aquela doidice.
- Vou ver o que posso fazer. Mas não garanto nada!
Não demorou muito e entrou minha mãe de casa a dentro, virada no cão, com um quente e dois fervendo.
- Não adianta vocês ficarem aí se agarrando à saia da tia de vocês! O que vocês fizeram, seus pestinhas malvados, não tem perdão. Não adianta correr para cá e pedir arrego. Podem ir logo preparando o couro porque o cipó vai cantar!
Dizendo isso, agarrou a gente pelas orelhas e saiu arrastando um de cada lado, até em casa. Chegamos com as orelhas em brasa e parecendo que tinham aumentado muito de tamanho. Mas, isso foi só a preliminar, a entrada, porque logo depois veio o prato principal que foi meia dúzia de tabefes no pé do ouvido e, para fechar o expediente, uma surra de cipó de goiabeira, dessas de deixar a bunda roxa.
Aproveitando a raiva, mamãe pegou meu pai e deu o maior esculacho:

- É nisso que dá, você, seu cabeça de vento, seu jumento teimoso, deixar as crianças ficarem assistindo a essas cenas de crueldade no curral do gado, pra depois eles imitarem e fazerem essas malvadezas com as pessoas. Já pensou se ao invés de ferrar o boi eles tivessem escolhido a brincadeira de matar o boi? Era uma vez o Aloísio.
Meu pai ainda teve coragem de debochar:
-Besteira, mulher! O Aloísio agora tá ferrado e tá marcado. É até bom, porque ele não vai mais se perder da gente e nunca vai poder dizer que não faz parte da família.

Guerra e Carnaval

A maior potencia militar do planeta, prepara-se para oferecer ao mundo mais um espetáculo triste da guerra. O grande aparato militar, o extraordinário contingente de tropas, a eficiente e mortífera aviação de combate, os mísseis arrasadores, os poderosos porta-aviões, numa demonstração incomum de força, já se mobilizam, num desfile assustador, rumo às bases estratégicas, perto do território inimigo, à espera da ordem final para atacar. Começa a se armar o grandioso circo da guerra, tudo em terríveis e monstruosas proporções. E o mundo, estupefato, custa a acreditar nessa negra realidade.

Paradoxalmente, nós aqui no Brasil, o povo mais alegre e divertido do planeta, também estamos nos preparando para mostrar ao mundo o maior espetáculo da terra: o nosso carnaval. Enquanto nos Estados Unidos são convocados milhares de reservistas para a guerra, aqui a convocação é feita aos milhares de componentes das escolas de samba, para formarem o exército da alegria e os batalhões do samba.. Lá as fábricas de armamentos bélicos trabalham sem parar, na confecção de sofisticados engenhos de destruição. Aqui nos imensos galpões das sedes das escolas, incessantemente fabricamos alegorias, fantasias, adereços, tudo para traduzir em cores, luzes e brilho os temas e os enredos, cuidadosamente escolhidos. Como se fosse uma colossal fábrica de sonhos.
Em vez de bombas de muitas toneladas, foguetes e ogivas nucleares, aqui fabricamos muitos quilômetros de serpentina e toneladas de confetes que vão ser usados nas batalhas dos salões e dos clubes sociais, entre pierrôs e colombinas. Em vez de lança-chamas e lança-mísseis, usamos lança-perfumes e canhões de luz. Em vez dos feéricos e fantasmagóricos flashes noturnos deixados no céu pelas balas, mísseis e canhões, nosso espetáculo é o pipocar ensurdecedor dos fogos de artifício a clarear os céus, na saída das escolas. Em vez de tanques ameaçadores, são deslumbrantes carros abre-alas recheados de evas semi-nuas a esbanjar beleza e sensualidade. Em vez do cenário macabro da guerra, Sambódromo e Sapucaí coruscantes, a explodir de alegria e aplausos nos monumentais desfiles que deleitam nossos olhos. Em vez de baterias anti-aéreas, as baterias nota 10, na cadência perfeita e caprichosa do samba contagiante e bem marcado. Em vez de senhor da guerra, generais, ministros e secretários de defesa, temos reis momos, rainhas, mestres-salas, porta-bandeiras e comissões de frente com seus veteranos generais ex-combatentes do samba.

Oxalá eu encontrasse agora o gênio da lâmpada maravilhosa! Certamente o meu pedido seria que as nações beligerantes, parassem imediatamente com a obsessiva teimosia da guerra e fizessem um recuo estratégico, tal como é feito pelas baterias das escolas de samba. Se concentrassem, evoluíssem e penetrassem de vez na praça apoteótica da paz e da fraternidade universal e que, em vez de desfiles militares, manobras e operações de guerra, o mundo se unisse como num grandioso desfile de carnaval, e o enredo fosse a paz universal, com seus majestosos carros alegóricos, cujos destaques fossem todos os déspotas, tiranos, ditadores, de mãos dadas e unidos pela mesma alegria e pelo bem da humanidade. Só assim, talvez, o mundo não precisasse acabar tão tristemente em guerras e conflitos.
Que Alá nos proteja e que tudo acabe em samba!

Meus ditos bem ditos

C ou não C, eis a questão gramatical.

Em São Paulo existem tantos bandidos que até as estradas são marginais. É marginal
Tietê, marginal Pinheiros, marginal Leste... Mas lá também ainda tem alguma coisa que presta: Viaduto do Chá, Consolação...Alameda Santos...Vira-Copos...

Ele não conseguia ser um carismático porque não passava de um cara asmático

Era o adeus de um insigne partinte para um insigne ficante

É melhor ser um A riscado do que um D cadente

Os americanos concluíram, após décadas de estudo, que as pedras que os astronautas trouxeram do espaço eram mesmo da vesícula da lua. Besteira, porque aqui no Brasil já se come carne de sol há séculos, sem falar na dieta da lua...ovos estrelados...

Depois da visita do saudoso papa João Paulo II ao Brasil, o Vaticano passou muito tempo intrigado e procurando saber por que o Santo Padre doou o seu precioso anel a uma comunidade pobre do Rio. Agora já se sabe. É que um dos membros da comitiva papal tinha alertado o Sumo Pontífice a dar logo o anel porque ele ia ser roubado mesmo...

O cerimonial do Príncipe Herdeiro do Japão, quando de sua visita ao Brasil, incluía, entre as muitas exigências, não quebrar o protocolo, não apertar a mão do príncipe, (exceção do presidente da República), e passar sempre em sua frente. A explicação dada depois pelos nipônicos é que o protocolo era muito duro e resistente e só raríssimas vezes o príncipe conseguia quebrá-lo a golpes de karatê. Quanto a não apertar a mão do príncipe, os japoneses chegaram à conclusão, após muitas avaliações e estudos, que se ele fosse apertar a mão de todo mundo, no terceiro ou quarto aperto ele já estaria sem o anel imperial. No que se refere a passar sempre na frente do príncipe, aplica-se o mesmo raciocínio lógico: uma questão de segurança da carteira que o príncipe leva no bolso de trás.

A vida é como rapadura: é dura, mas é doce.

Na Roma antiga o povo tinha pão e diversão ( panis et circenses). Aqui no Brasil o povão não tem pão nem diversão; o que tem de montão é muito palhaço e muito ladrão.

Ele era um gigante no trabalho, mas não passava de um pigmeu como pessoa humana

“Tremunt montes et parturiunt ridiculus mus” ( estremecem as montanhas e dão à luz um ridículo ratinho) Ditado latino que se ajusta perfeitamente àqueles que costumam fazer grandes estardalhaços e, no final, quase nada acontece.

Chama-se Elisa e continua solteirona até hoje. Nenhum namorado consegue agarrá-la

Ficou bom da ejaculação precoce, mas, em compensação, está agora com evacuação precoce.

Tomou tanto complexo vitamínico que hoje é um sujeito altamente complexado e complicado.

No Brasil a única coisa que está 100% organizada é o crime

Eu acho que o presidente do Banco Central não devia ficar dizendo em público que o Brasil tem em caixa o equivalente a 50 bilhões de dólares de reservas cambiais. Não sei não...com essa onda de assaltos que anda por aí...

Fez redução de estômago e ficou tão magra que está usando a aliança na cintura

E aquele perneta era tão azarado, que deu cupim na bengala, na muleta e na perna de pau. E, por último, até na dentadura deu cárie.

Toda vez que ele assaltava a geladeira, cometia um atentado violento ao pudim

Conheço muitas vovós velhinhas que são como as velinhas, pois consomem a sua própria substância para oferecer claridade e calor aos netos que as rodeiam

A lei é como uma teia de aranha, que só consegue prender pequenos insetos.Quando pega os grandes não consegue prende-los porque eles rompem a teia e se soltam facilmente.

Motoboy em alta velocidade chocou-se de frente com uma carreta carregada de vergalhões de ferro. A carreta ficou reduzida a um montão de ferros retorcidos e fumegantes. O motorista morreu esmigalhado entre as ferragens, enquanto que o motoboy sofreu apenas leves arranhões, e a moto ficou levemente amassada. Será que o impossível acontece mesmo?

A Bíblia diz que o homem é pó e ao pó há de tornar. A policia diz que o traficante é pó, vive do pó e ao pó sempre há de retornar.

Meu cardiologista perguntou-me: - Caminha? Respondi:- Muito! Adoro caminha! Durmo... Depois, ele mandou-me tomar juízo, mas só tinha cerveja...

Não estou conseguindo mais afogar minhas mágoas porque elas aprenderam a nadar

A diarreia (chicotinho) nada mais é do que uma evacuação precoce

Palavras de Duplo Sentido

Vocação: Tubarão fêmea muito idosa
Nauseabunda: Pessoa que tem náusea da própria bunda
Papagaio: Papa esperto, muito alegre, jovial
Reumatolojista: Condenado que assassinou o lojista
Macabra: Cabra ruim e que bota chifre no bode
Vocativo: Avô que vive dominado pelos netos
Cometia: Sobrinho que mantém relações incestuosas com a tia
Melancólica: Tipo de melão que dá dor de barriga
Coitada: Encontros sexuais coletivos, suruba
Sustentada: Pessoa que vive às custas do SUS
Mentira: Homem e policial
Remédio: Condenado de estatura mediana
Suspeito: Redução de mama feita no SUS
Distraída: Mulher que se diz corneada pelo marido
Composto: Pessoa graduada
Ratificar: Ficar como rato
Assistira: Um tira chamado Assis
Referida: Condenada que se feriu durante a fuga
Matutino: Pequeno matuto
Nuvens: Quando chegas despido
Descendentes: Grupo de dez pessoas sem dentes
Deputada: Mulher política e de programa
Pessoalmente: Pessoas que não falam a verdade
Recomendo: Condenada se alimentando
Tabela: Mulher que está sempre pronta e bonita
Solução: Soluço muito grande e forte
Combustão: Mulher de peitos muito grandes
Furacão: Tempestade muito forte e que chega a furar um cachorro
Infelizmente: Pessoa que além de infeliz é mentirosa
Transparentes: Transportadora que só carrega parentes
Biossegurança - Segurança que trabalha para Severino Cavalcanti, vulgo “Biu do Relógio”
Depressão: Sujeito muito gordo e volumoso que anda sempre com muita pressa.
Combinara Além de simples verbo, é também mais uma opção de transporte da viajadíssima Nara Menezes (Kombi-Nara)
Precaução: Peça íntima que vem antes do calção.
Insignificante: Jovem ilustre que só gosta de “ficar” com as namoradas.
Sayonara: Expressão usada nas reuniões da Save The Children quando querem que Nara se retire do recinto: Sái ó Nara !!!
Recaída - Condenada que levou um tombo
Serviçal – Garçon que costuma servir sal em restaurantes
Fastio – Lugar onde se fabricam tios
Pungente – Gente que solta pum
Pedagogo – Pé que dá gogo
Talento – Diz-se do sujeito lento e preguiçoso
Vaidoso – Expressão que se ouve muito na fila dos idosos quando chega a vez do próximo velhinho e alguém grita: Vai, idoso!
Biscoito – Coito duas vezes
Salmão – Salmo muito extenso, enfadonho
Assassino – Indivíduo que tem o hábito de assar sinos.
Extraviado – Viado extra, especial, de primeira qualidade
Aliviado - Placa indicativa de motel gay
Radioterapia – De acordo com a nova lei, todo fabricante de rádio agora é obrigado a acoplar ao produto uma mini-pia, para lavagem das pontas dos dedos, evitando contaminação. De agora em diante todo rádio terá pia.
Palhaçada – Tipo de palha comestível, que é assada no forno e servida como iguaria em restaurantes de luxo.
Estado de Coma – O mesmo que compunção alimentar.
Comilança – Além de “engole-espada”,“engole-fogo”,“ tocha-humana” e “homem- bala”, foi criada mais uma função no circo: a de “come-lança”.
Atacadão – Pessoa violenta e mal-humorada, que frequentemente tem ataque de raiva
Livro de tombo – Livro onde são registrados os tombos que as pessoas dão durante a vida.
Confinado – Pessoa que gosta de freqüentar velórios e da companhia dos mortos
Ex-combatente – Porta que tinha batente e que agora não tem mais
Vidro temperado – Espécie de vidro comestível e que serve para matar a fome
Flauta doce – Tipo de flauta comestível
Omo sexual – Tipo de sabão em pó muito sensual e afrodisíaco
Traumatismo craniano - Tipo de traumatismo muito comum na Ucrânia

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O TORCEDOR

Toda vez que o time dele perdia, ele também perdia. Perdia a calma, a esportiva, a paciência, a cabeça e até a vontade de viver.
Chegou ao extremo de invadir o campo com o firme propósito de esganar o juiz ladrão que não marcou aquele pênalti claro, claríssimo. Mas, foi agarrado a tempo pelos seguranças.
Não admitia, também, chacotas, piadinhas e provocações da torcida adversária e, vez por outra, se metia em confusões e quebra-paus .
Quando o time vencia, ele também vencia. Vencia o medo, a timidez. Depois que entornava uma meiota de iaiá-me-sacode, pra comemorar, ficava hilário, afoito, perdia as estribeiras, a compostura e, em represália, passava a achincalhar abertamente os adversários, sobrando-lhe quase sempre, trompaços, safanões e alguns pontos na testa.

Uma vez, perdeu o juízo. Tomou uma carraspana brava por conta da vergonha daquela derrota humilhante. Perder era normal. Mas perder de goleada e ainda por cima cair na zona de rebaixamento era coisa que ele não admitia. Foi até à sede do time, disposto a descarregar um caminhão de impropérios e xingações contra a diretoria, o técnico e os jogadores. Mais uma vez foi prontamente contido e nem chegou a ser levado a sério por conta de seu visível estado de embriaguês.
Mas, futebol para ele era uma mania, um vício, uma paixão escancarada, uma devoção.
No fundo, sempre acreditava no poder de reação do seu time, na força e na raça dos jogadores. Pois, disso já tinham dado demonstrações. Não devia agora virar as costas para aquele time que tantas alegrias já lhe dera. Talvez até mais alegrias do que decepções.
Sempre ouviu dizer que futebol não tem lógica, e que dentro de campo tudo é possível, tudo pode acontecer, até um gol de virada aos quarenta e oito minutos do segundo tempo. E, dessa vez, tinha tudo para que isso pudesse acontecer: o time estava muito bem treinado, os jogadores totalmente motivados, e a torcida empolgadíssima. Não havia como não ganhar aquele jogo. Era uma questão de honra. Os jogadores tinham prometido buscar a vitória nem que fosse à custa do próprio sangue, da própria vida. Todos acreditavam numa vitória espetacular. A torcida, com certeza, ia comparecer em massa para prestigiar, para empurrar o time. Só o nosso torcedor fanático e doente, até agora ainda não tinha decidido se ia ou não assistir ao jogo.

- Você precisa ir ao estádio, Roberval! Você não pode deixar de ir! Não é possível que você vá perder um jogão como esse, incentivava um amigo.

E ele respondia indeciso:

-Sei não... acho melhor não ir...estou com um pressentimento ruim, o coração apertado...Se o time vencer, não sei se vou agüentar tanta emoção. Se perder, vou tomar outro porre, e aí não vai prestar. Não vou nem assistir pela televisão.

-Se é assim, ponderava o amigo, é melhor mesmo você não ir. Vai ter muita emoção e provocação e você vai ter problemas com a torcida contrária. Mas não tem problema. Eu vou gravar o jogo e você assiste logo depois lá em casa, com calma, e assim a gente aproveita para bater um papo e tomar uns birinaites.

Logo depois do jogo o amigo telefona aos berros:

- E aí, Roberval? Eu não disse? O time botou pra lascar! Jogou uma barbaridade! Arrasou aquele timezinho de meia pataca! Ganhou de sobra! Esbanjou categoria! Só não vou te dizer de quanto foi a goleada para não perder a graça. Mas pode vir correndo para cá e você vai ver a gravação e a gente vai comemorar!

_ Olha, Riva, disse ele se saindo, eu pensei direitinho e achei melhor não assistir a esse jogo. Agora que eu já sei que o time ganhou...tá bom até demais da conta. Do jeito que esse time anda azarado, vai que eu invento de assistir a essa gravação e o peste do time resolve perder...

O SUICIDA

Era um homem alto, franzino e de aparência mal cuidada, que costumava sentar-se num banco da pracinha, perto da minha rua.
O local arborizado, muito ventilado e aprazível, era o ponto de encontro de velhos amigos que vinham, quase todos os dias, nos fins de tarde, pôr a conversa em dia, jogar gamão, dominó e baralho, ou simplesmente matar o tempo em conversas fiadas.

Casais de namorados tinham lá suas cadeiras-cativas e aproveitavam os cantinhos mais reservados e menos iluminados, para os beijos mais ousados e as eternas juras de amor.

Senhoras também costumavam passear empurrando com leveza e cuidado os carrinhos com os seus bebês, e a criançada se esbaldava em brincadeiras as mais variadas, num corre-corre e pega-pega sem fim.

Todos se abraçavam e se cumprimentavam e ali não havia lugar para tristeza e solidão.
Mas aquele homem solitário e triste, que se sentava sempre no mesmo lugar, enigmático e sempre sozinho e mal humorado, alheio a tudo o que se passava em seu redor, nunca falava e se alguém vinha lhe perguntar alguma coisa , apenas balançava a cabeça afirmativamente ou negativamente e, quando muito, deixava escapar, aborrecido, um muxoxo ou uma imprecação.

Como freqüentador assíduo da pracinha, muitas vezes eu o observava de longe e via o seu olhar perdido e distante e a amargura, a dor e o desânimo estampados em seu rosto. E eu tinha muita vontade de me aproximar daquele homem para ouvi-lo e, quem sabe, até ajudá-lo com uma palavra amiga. Mas temia algum tipo de reação desagradável.

Certa vez, acerquei-me de coragem e fui sentar-me junto dele. Sua primeira reação foi levantar-se bruscamente e afastar-se, mas eu o segurei quase instintivamente pelo braço e disse timidamente:

- Amigo, você não quer conversar um pouco comigo?

Parece que a palavra amigo despertou alguma coisa que estava adormecida no fundo do coração daquele homem e ele tornou a sentar-se pesadamente

Fiquei alguns instantes sem saber o que dizer, mas logo comecei a falar quase à queima roupa:

- Eu também sou um sujeito desastrado, muito amargurado e cheios de problemas. Aliás, quem neste mundo não vive cercado de problemas? Eu gostaria muito de encontrar alguém com quem eu pudesse conversar e desabafar.

Parece que a minha tática de querer nivelar-me a ele e penetrar no seu mundo surtiu efeito,
pois o homem começou a falar:

- Duvido muito que exista no mundo um sujeito que tenha mais desgraças do que eu. Eu só estou aqui sentado neste banco, porque nem pra morrer eu presto! Se eu disser que eu já tentei o suicídio três vezes, ninguém vai acreditar. Já tentei me enforcar, já tomei veneno e já tentei pular do alto de um prédio e sempre teve um intrometido que apareceu e me salvou.
-Eu acredito. Mas o que foi que aconteceu de tão trágico na sua vida, que o levou a tomar uma decisão dessas? Perguntei procurando esticar o assunto.

- Minha vida é uma porcaria, disse ele. Tudo o que pode haver de pior no mundo já aconteceu comigo. A vida para mim não significa mais nada, por isso não quero mais viver.

Senti uma pena muito grande daquele pobre infeliz e tentei confortá-lo. E contei-lhe até a história de Jó, aquele patriarca que vivia na terra de Uz, na antiga Palestina e que tinha sete filhos e três filhas. Era muito rico. Possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas, e tinha também um grande número de servos. Era considerado o maior de todos os homens do Oriente.

Certa vez, encontrou-se Deus com Satanás e perguntou-lhe: de onde vens? E ele disse: fui rodear a terra e passear por ela.

Então disse Deus a Satanás: Observas-te o meu servo Jó? Não há ninguém na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que se desvia do mal.

Respondeu-lhe Satanás: ele só é assim porque tu o cumulas de graças, a ele , à sua casa e a tudo o que tem. Abençoas as suas obras, e os seus bens se multiplicam na terra.
Gostaria de propor-te um teste: estende a tua mão e toma-lhe tudo o que tem e, com certeza, ele blasfemará de ti em tua face!

- Muito bem! Aceito o teu desafio, disse Deus. Tudo o que ele tem está nas tuas mãos. Faze como quiseres. Só te peço que lhe poupes a vida.

Poucos dias depôs, Satanás impôs a Jó uma terrível desgraça: todos os seus haveres e animais foram roubados e todos os seus servos mortos a fio de espada, como também todos os seus filhos e filhas juntamente com suas casas e seus bens foram arrastados por um grande vendaval e foram soterrados e mortos.

Então Jô, ao receber a notícia de sua ruína, rasgou as suas vestes, raspou a cabeça, cobriu-se de cinzas e, prostrando-se por terra, adorou a Deus dizendo: nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá. O Senhor me deu e o Senhor me tomou! Bendito seja o seu nome!
Em tudo isso Jó não blasfemou, não pecou e nem atribuiu a Deus o motivo de sua desgraça.

Encontrou-se Deus novamente com Satanás e fez a mesma pergunta: De onde vens?
E ele respondeu: fui dar umas voltas pela terra.

Então disse Deus a Satanás: observas-te o meu servo Jó? Apesar dos castigos que lhe impuseste, ele ainda conserva a sua integridade
Respondeu-lhe Satanás: nada disso me convence! Gostaria de propor mais um teste!
-Toca-lhe nos ossos e na carne e ele certamente blasfemara de ti na tua face!

-Pois bem. Ele está no teu poder; mas poupa-lhe a vida, disse-lhe Deus.

Então Satanás saiu da presença de Deus e cobriu Jó de chagas malignas, fétidas e purulentas, desde a planta dos pés até o alto da cabeça.

Então Jó, sentado no meio das cinzas, raspava as suas feridas com um caco de telha.
Vieram sua mulher e seus amigos e zombavam dele dizendo: depois de tudo o que Deus te fez, ainda acreditas nele e conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre!

Mas Jó respondeu: vocês falam como falam os loucos!Não recebemos o bem das mãos de Deus?.Porque não receberemos também o mal?
E em tudo isso Jô não blasfemou, não pecou e nem se rebelou contra Deus.

Então mudou Deus a sorte de Jó e deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuíra. Ele teve novamente sete filhos e três filhas e tornou-se mais uma vez o homem mais rico e poderoso de todo o Oriente.


Terminei a minha história, na esperança de ter comovido o nosso suicida, mas de nada adiantou.

- Tudo isso que o moço contou é muito bonito, eu até agradeço mas não vale nada pra mim, porque nada vai fazer eu mudar de idéia. Vou tentar o suicídio novamente e desta vez, estou com umas idéias na cabeça e não vai haver erro.

Levantou-se e saiu sem dizer mais nenhuma palavra.

Fiquei muito triste e decepcionado comigo mesmo por não ter conseguido tirar da cabeça daquele infeliz uma idéia tão obsessiva e absurda.

O tempo passou. Uns três ou quatro meses. E eu nunca mais vi aquele homem lá na praça. Dava mesmo como certo que ele havia posto em prática os seus planos e se matado.

Uma tarde, quando menos esperava, avistei o homem sentado de novo no mesmo banco da praça.
Bastante admirado e curioso aproximei-me dele e perguntei:
- Lembra-se de mim?
- Acho que sim...é...agora estou me lembrando. Você me contou uma história muito bonita, não foi?

- Graças a Deus você está aqui e desistiu daquela idéia maluca de se matar. O que foi que aconteceu? Perguntei
.
E ele contou:
- Naquele dia , quando eu saí daqui fui providenciar o material para o suicídio: comprei um revolver novo e muito bom, uma corda bem resistente e um vidro de veneno do tipo mais forte e violento e tracei um plano que não tinha como dar errado.
De manhã cedo peguei o revólver, a corda e o vidro de veneno e fui para a beira do rio e procurei um bom galho que dava bem para dentro da correnteza. A minha idéia era tomar o veneno, me enforcar e atirar na cabeça, tudo ao mesmo tempo. Se alguma coisa saísse errada, ainda me restava cair na água e morrer afogado no rio porque eu não sei nadar.

Planejei tudo e subi na árvore, amarrei firmemente a corda no galho e no meu pescoço, bebi o veneno, saltei e atirei na cabeça.
Agora veja só o que aconteceu: quando bebi o veneno e atirei na cabeça, errei o alvo e a bala cortou a corda. Despenquei do galho e caí de cabeça para baixo na correnteza, bebi muita água e vomitei todo o veneno que tinha tomado e fui arrastado por uns quinhentos metros pelas águas e fui avistado por uns canoeiros que estavam na margem e eles saltaram na água e me salvaram.

Depois disso eu comecei a pensar melhor e ver que eu não devo querer ser o dono da hora da minha vida. A vida e a morte pertencem a Deus. Vou fazer como aquele santo homem da história que você contou e aprender a receber com resignação tanto o bem quanto o mal, das mãos de Deus, e procurar viver, que é o melhor que eu tenho a fazer.
Suicídio, nunca mais!

Apertou minha mão, me deu um forte abraço e saiu cantarolando.

FERIADO NO INFERNO

Era carnaval, e os frades estavam iniciando, no convento, as penitências e o retiro espiritual de três dias, numa autêntica e santa maratona pela salvação das almas daqueles que se entregariam aos prazeres e às orgias próprias do reinado de Momo.

Um austero e virtuoso frade, que acabara de fazer a sua módica refeição do meio-dia, aproveitando o intervalo das orações, saiu a espairecer pelo aconchegante bosque vizinho ao convento e sentou-se à sombra benfazeja de um frondoso cipreste.

Embalado pela brisa amena e pelo gorjeio dos pássaros, logo estava ele mergulhado em profundo sono. Teve então um estranho e intrigante sonho: viu o convento tomado por uma legião de horrendos demônios, muitos deles dormindo recostados nos muros, juntos às colunas, portas, sacadas, nas escadas e balaústres, enquanto outros bocejavam sonolentos nas sombras do jardim e durante muito tempo permaneciam naquela pachorra, sem demonstrar nenhuma preocupação ou pressa.

Extremamente admirado com aquela situação inusitada, o frade então, aproximou-se de um demônio que estava vigilante e parecia ser o chefe, e perguntou:
- Diz-me, ó espírito do mal, por que tu e teus comparsas estais aqui a cochilar, sabendo que tendes grande trabalho a fazer aí fora no carnaval?
-Hoje, amanhã e depois é feriado no inferno. Ninguém trabalha. É nosso tempo de folga; a gente pode sair para onde quiser e fazer o que quiser, respondeu o demônio. E continuou:
-Será que não percebes que, durante o carnaval, nós demônios não precisamos trabalhar porque ninguém precisa ser tentado, pois todos que ali estão na folia já se entregaram espontaneamente às tentações, aos prazeres, às orgias e à luxúria e, portanto, que não precisamos nos preocupar com eles para levá-los à perdição?
-Então, por que vocês escolheram justamente o meu convento para descansar? Aqui é uma casa de oração e penitência. Aqui não se brinca carnaval, indagou o religioso.
Ao que , já meio irritado, o demônio respondeu:
-Imbecil, se aqui é uma casa de oração, jejum e penitência, é justamente aqui que temos grande e difícil trabalho a fazer. Temos ordens expressas de Lúcifer, para semearmos a discórdia e o pecado neste e em outros conventos, principalmente durante o carnaval, mas não é fácil. Ai de nós se não o fizermos! Cada frade que conseguirmos conquistar e perverter é um valioso troféu e motivo de festa e, com certeza, se eu conseguir desviar pelo menos um, serei promovido lá no inferno. Esses que aí estão comendo, bebendo, pulando, sambando, na orgia do pecado e praticando toda sorte de excessos, já têm seus lugares garantidos no inferno. Com esses não precisamos perder tempo!
E, dizendo isso, bateu palmas com extrema força e gritou com voz cavernosa:
- Ao trabalho, todos ! Chega de moleza! Acabou o feriado! Entrem no convento!
Como que eletrizados, todos aqueles demônios levantaram-se imediatamente e, fazendo grande algazarra, cada um correu para escolher um frade para ser tentado. O barulho acordou também o nosso frade que, erguendo-se num salto, meio atordoado, saiu em desabalada carreira rumo ao convento, julgando que dormira demais e que um horrível demônio corria atrás dele para tentá-lo.

DOUTOR RAIZ

Todo mundo sabia onde ficava a botica do Tenório – o Doutor Raiz.
Ficava ali no finalzinho da minha rua e não tinha como não encontrar porque o estabelecimento não chegava a ser grande, mas a placa com o nome Doutor Raiz, era descomunal e tomava quase toda a fachada da loja. Eu costumava brincar dizendo que, depois das muralhas da China, era a outra obra da engenharia humana que podia ser vista do planeta Marte. Ele ria e não se incomodava e muito menos pensava em retirar ou diminuir o tamanho da placa.

- A propaganda é a alma do negócio, dizia ele.

E era mesmo, porque não faltava clientela que vinha de toda parte e até de fora se consultar e experimentar as garrafadas, gororobas, poções e lambedores do Doutor Raiz. A maioria era gente simples e de boa fé, caboclos e matutos que acreditavam piamente que podiam curar suas doenças pelos poderes daquelas beberagens, manipuladas com as mais estranhas fórmulas e ingredientes pelo raizeiro.

Muito esperto e loquaz, o curandeiro exibia um invejável conhecimento de plantas, ervas e raízes, e para qualquer tipo de doença, incluindo olho grande, feiúra e quebranto, receitava logo com precisão o chá correspondente que ia debelar o mal. Para isso bastava recorrer ao seu variadíssimo estoque de uma infinidade de raízes, cascas, sementes, e ervas.

Se chegasse alguém com mal-dos-quartos ou mal-de-escancha, ou mal-das-ancas, ou quebra-bunda, o remédio era a garrafada do chá de erva-do-diabo-louco, erva-de-pai-Caetano, erva-do-homem-enforcado, erva-fedrorenta, erva-mijona,, erva-das-maleitas, erva-piolheira, tudo misturado com a raiz-de-barbeiro, raiz-de-pipi e raiz-do-padre-sabino.

Conta o meu amigo Valdir que, certa vez, foi procurar o Doutor Raiz, porque estava sentindo uma dor estranha atravessada na boca do estômago, e ele foi logo dizendo que era verme, organismo sujo e falta de lubrificação nas tripas. Receitou um purgante de folha de carrapateira com óleo de rícino, banha de peba e erva lombrigueira – dose única. Segundo o diagnóstico do remedista, ele estava precisando de um laxante para eliminar os vermes e desentupir a tripa gaiteira. Mas depois ele viu que não tinha nada de laxante e sim de lascante, porque danou-se a evacuar desonerado durante três dias, até lascar a boca do cano do escapamento, e aquele bostifício hemorrágico e desenfreado só estancou depois que ele tomou uma colher de chá de cimento branco diluído em meio copo d água, conforme lhe receitou seu Chico da Cachorra

Comecei então a observar melhor as manobras daquele charlatão e vi que na maioria de suas receitas ele acrescentava uma boa dose de malandragem, principalmente quando se tratava dos caboclos ingênuos que vinham encomendar suas garrafadas.

Minhas suspeitas acabaram de vez, quando vi, certa vez, ele receitando um pobre jeca empombado, com a barriga e os pés inchados:

-O que o senhor tem é uma tipografia supítica e golobosa que se tornou capotética, atingiu as pituitárias e provocou os canivões!
-E é grave, doutor? Perguntou o caipira, de olhos esbugalhados.
-Bota grave nisso! É difícil de curar mas dá-se um jeito. Só não tem jeito pra morte, que não é o seu caso. Se isso aqui não fosse um estabelecimento sério e eu fosse um cabra interesseiro, que quisesse lhe explorar, eu ia mandar o senhor tomar o sumo da folha seca, junto com o chá da raspa do chifre da cabra mocha, com o pó do cabelo da garrafa, misturado com um pouquinho de nada e uma pitada daquilo que não existe, que é a mesma coisa que deixar o senhor morrer à mingua. Eu vou fazer uma limpeza de organismo no senhor. Pra isso eu tenho aqui um produto que acabei de receber da Terra Santa. É caro, mas é tiro e queda, um verdadeiro milagre. Coisa de primeiro mundo.

Dizendo isso, foi lá dentro e, sem que o matuto percebesse, pegou um pedacinho de sabão Pavão, botou dentro de uma garrafa cheia d água, tampou e sacolejou bem até o sabão diluir e água ficar turva, com aquela corzinha azulada.

-Pronto, seu Raimundo, taquí o remédio. Só tinha esse e parece que estava guardado para o senhor. Como é para um amigo, vou fazer a R$ 20,00. Vai ter que passar um ano tomando esse remédio sem falhar um só dia. Uma colher de sopa vinte vezes a qualquer hora do dia e da noite. Beber muita água, não comer carne de porco, nem de paca e nem de peba, e não fazer nenhuma extravagância. Assim que acabar, volte aqui prá pegar mais.

CIUME

Aquela situação estava ficando insustentável. E Perigosa. A mulher tinha um ciúme doentio, mórbido, mortal. Era dessas que prometem matar ou mandar matar com os maiores requintes de crueldade e, depois, não fazem a menor questão de se entregar e ficar vinte ou trinta anos atrás das grades.
Farejava longe e andava desconfiadíssima. Aquele nome Carla na agenda do marido era uma obsessão que ficava martelando em sua cabeça, e poderia ser a prova definitiva da traição.
O amigo procurou alertá-lo:
- Você precisa ter mais cuidado, Alfredo. Não facilite. Você conhece a Vanda e sabe do que ela é capaz. Quem avisa amigo é! Apague imediatamente esses nomes femininos da sua agenda. Quando a Carla telefonar, por que você não anota o nome Carlos em vez de Carla? Pra todos os efeitos quem telefonou foi Carlos e assim a sua mulher não vai desconfiar. O mesmo você deve fazer com a Renata, com a Ângela, com a Patrícia, que passam a ser Renato, Ângelo, Patrício, e assim por diante.
A idéia era interessante. E ele começou a proceder como lhe aconselhara o amigo.
Vez por outra a mulher dava uma incerta em tudo o que era do Alfredo, e escarafunchava bolsos, gavetas, carteira, pasta e, principalmente, a agenda telefônica,. à cata de indícios de infidelidade. Mas só encontrava nomes masculinos. E acabava se conformando.
Uma vez, começou a ficar grilada com a grande freqüência com que o nome Paulo aparecia nas mensagens do celular: almoço de negócios com Paulo, jantar de negócios com Paulo, entrevista com Paulo, falar com Paulo, entregar documento a Paulo, etc.Resolveu interrogar o marido:
- Quem é esse tal de Paulo com quem você tanto se encontra, Alfredo?
- É o meu novo chefe lá na repartição, amor!
Alguns dias se passaram de completa calmaria. Estava certo de que tinham se acabado de vez as desconfianças da mulher, e a tranqüilidade voltara a reinar em sua vida. Mas, tanto fez o incorrigível donjuan, que acabou se descuidando e caindo no vacilo de fazer aquela anotação temerária e comprometedora: “ Encontro com Paulo hoje às 20:00h.” Era a peça que a mulher estava procurando para completar o quebra-cabeça de sua desconfiança.
Foi até à repartição do marido, disposta a colocar tudo em pratos limpos.
- Eu gostaria de falar com o Paulo, disse ela nervosa à recepcionista, e sem se identificar.
- Pois não, minha senhora. Só um momento, por favor, disse a simpática atendente.
Momentos depois apareceu um morenão alto, forte, bronzeado, sarado, que falou com voz meiga, quase feminina:
-Muito prazer, eu sou Paulo. E você quem é, posso saber?
- Eu sou a esposa do Alfredo, disse ela levantando a voz.
- Cumé qui é??? Esposa de quem??? Do Alfredo??? Du-vi-d-o-dó! O Alfredo não é casado. Ele sempre me jurou que era solteiro! Aquele cachorro me paga! Quanto a você, queridinha, pode ir tirando o seu cavalinho da chuva, porque o Alfredo já é meu. A gente já está junto há quase um ano. A gente vai casar, entendeu?

No dia seguinte, a folha policial exibia mais uma manchete macabra: “Louca de ciúme, mulher mata o marido com cinqüenta e nove facadas. A vítima teve os órgãos sexuais estraçalhados. A assassina se entregou depois à polícia”

CALDINHO DE MOTOCÓ

-Menino, como você está magro e abatido! Disse ele espantado e olhando fixamente para mim.
De fato, os três dias de carnaval tinham me deixado um tanto quanto derrubado e com aquelas olheiras de urso panda.
-Vou cuidar de você com o meu caldinho levanta-defunto! Me apareça aqui todos os dias depois do expediente, sem falta! Tudo por minha conta, ordenou ele.
Eu não era freqüentador assíduo daquele barzinho, apesar de ficar bem perto do meu trabalho; ia lá algumas vezes para tomar uma cerveja com os amigos. Não conhecia o tal caldinho milagroso e não alimentava qualquer tipo de intimidade com o Raimundo, dono do bar. Não podia deixar de estranhar aquela repentina e gratuita amabilidade. Não disse que sim, nem que não. Apenas esbocei um sorriso encabulado
Depois me disseram que o caldinho do Raimundo era de fato prodigioso, turbinado, vitaminado, afrodisíaco, que eu deixasse de ser besta, aproveitasse, etc.
-Vai lá, rapaz! Não custa nada experimentar! De graça, até injeção na testa..! brincavam os amigos.
Mesmo desconfiado, resolvi aceitar o tal caldinho de mocotó e quase sempre, depois do expediente, passava no barzinho do Raimundo, que sempre estava me esperando e fazia questão de me servir com prioridade a costumeira tigela cheinha da fumegante e suculenta porção.
Fiquei fã número um daquela iguaria e, nessa brincadeira, passei cerca de um mês usufruindo cotidianamente aquela maravilha de caldo e já sentindo os efeitos benéficos que ele estava operando no meu organismo.
Como não podia deixar de ser, achei que estava na hora de acertar as contas e fui falar com o Raimundo.
-Já faz um mês que estou tomando o seu maravilhoso caldo de mocotó, aliás, estou me sentindo muito bem, e agora quero pagar. Quanto é?
-Você não precisa pagar nadinha. É tudo por minha conta! Estou vendo que você agora está forte e corado, sem aquelas olheiras de um mês atrás. É assim que eu quero você, forte, sarado, musculoso, tesão. Espere aí um pouquinho que vou levar você para conhecer o meu apê, para a gente tomar uns drinks e bater um papinho.
Para bom entendedor...
Consegui escapulir dizendo que precisava antes passar rapidinho no escritório, que era pertinho, e que voltaria sem falta para acompanhá-lo. Está esperando até hoje. Eu, hein?
Soube depois que a fórmula mágica do caldinho de mocotó do Raimundo levava ovo de codorna, cheiro verde, pimenta de cheiro, alho, gengibre, catuaba, barbatana de tubarão, e testículo de boi, grão-de-galo, mas, os principais ingredientes que ele usava eram mesmo a malícia, a manha para pegar os rapazes e envolvê-los com seus ardis amorosos. O caldinho de mocotó era apenas o pretexto, a isca.

A Vingança

Dos vinte e cinco ovos que mamãe tinha deitado para a galinha de raça chocar, nenhum gorou. A ninhada nasceu todinha, forte, sadia; vinte e cinco pintainhos de penugem roxinha, alegres e barulhentos. A coisa mais fofa do mundo. Mas também, com todo aquele cuidado que ela tinha dedicado àquele afazer, dificilmente algum ovo teria se perdido. Eu era menino e ainda me lembro das muitas vezes em que ela se levantava altas horas da noite, principalmente quando chovia, para ver se a galinha estava cumprindo o seu papel de chocadeira, porque os ovos não podiam esfriar, e retirava um a um debaixo da gorda penosa, verificava a temperatura e examinava contra a luz da lamparina se todos os ovos tinham gerado ou se tinha algum goro. E ficava alegre e orgulhosa com o resultado do seu trabalho “ científico” ao ver a galinha choca, com seu cacarejado irritante, arrastando a prole pelo terreiro.
Todavia, isso significava restrições à minha liberdade de menino irrequieto e buliçoso. Mamãe não admitia que alguém dissesse nada e muito menos fizesse alguma coisa contra a galinha e os pintos, que tinham trânsito livre em todos os lugares, até dentro de casa e sempre deixavam sua marca de sujeira com as freqüentes cusparadas de cocô por toda parte. A gente tinha de andar com todo cuidado para não escorregar na titica, não atropelar a galinha e não pisar nos pintos. Eu não gostava daquela galinha trapalhona e amostrada e uma vez, quase sem querer querendo, pisei na perna de um pinto, com fratura exposta, que me valeu um demorado puxão de orelha e um cascudo desses de rachar o tamanco. Mamãe fez logo um cataplasma de mastruço pisado e amarrou na perna do pinto e, em pouco tempo, ele estava ciscando de novo. Aquela galinha metida a besta me devia um cruzado. Mas a descarada da galinha parecia também que não gostava nadinha de mim. Uma vez eu estava sentado no chão, quase cochilando, com aquelas minhas canelas finas, carunchosas e cheias de feridas à mostra. Foi quando a miserável da galinha cismou de se encantar com uma das minhas feridas, a maior de todas, um medalhão bem no meio da minha perna; aquela que eu ganhei na queda do jumento; exatamente aquela que já estava em adiantado estado de cicatrização e com a casca já prestes a cair. Não podia ser outra a reação da esfomeada ave diante daquele petisco, daquela casca grande, crocante, tentadora, parecida com a cobertura tostada e luzidia de um empada. Não contou conversa. Com uma bicada rápida e certeira arrancou a casca pela raiz. O sangue espirrou e eu soltei um berro de dor, enquanto a infeliz, como se fosse a coisa mais natural do mundo, deu um cacarejado estranho chamando os filhotes e, com o bico, esfarelou a casca todinha e distribuiu com os pintos que disputaram até o último farelo. A primeira reação que eu tive foi de agarrar o pescoço daquela malvada e torcer até matar. Mas pensei nas conseqüências.Vingança é prato que se come frio, não é? Pois bem, preferi esperar um oportunidade melhor para me vingar. E a oportunidade chegou. Um dia saíram todos e foram à casa de minha tia que morava perto, e eu me escondi propositadamente e fiquei. Tinha chegado a hora da minha vingança. Agarrei um a um os pintos e joguei tudo dentro do pote de água de beber e depois tampei e fiquei escutando até o último piado. Depois da certeza de que todos tinham morrido afogados, fui brincar de soltar pião lá no terreiro. Não demorou muito e chegaram todos, e logo a minha mãe deu pela falta dos pintos porque a galinha estava cacarejando inconsolável, inquieta, procurando a cria. Procurei agir como se nada tivesse acontecido, mas logo percebi que minha mãe me olhava de um jeito muito estranho, ameaçador.
.
-Por que é que você não foi com a gente? O que é que você andou aprontando, seu cabra? Cadê os pintos que não estão com a galinha?
Não houve tempo nem de responder, porque um dos meus irmãos já tinha ido beber água e ao meter a concha de cuia no pote de barro trouxe um pinto morto e viu que o pote estava cheio de pintos mortos, e já vinha correndo dar a noticia à minha mãe. Quase sem querer acreditar, ela correu até a cozinha, levantou a tampa do pote e viu que a desgraça estava feita. A estas alturas eu já estava amuado num canto, chorando, adivinhando a pisa que ia levar. E não deu outra. Mamãe gritou para que eu mesmo fosse bem ligeiro buscar um cipó de tamarindo, que não quebra com facilidade, o que me deixou muito revoltado, porque além de apanhar eu ainda tive que ir buscar o instrumento do suplício, e perdi a conta do número de cipoadas que levei na bunda.
Foi o maior chá de cipó que eu já tomei na vida. Nunca mais esqueci aquela surra e aquele dia aziago, infeliz, em que nada do que se faz dá certo e a gente sai perdendo até para uma galinha. Mas, no fundo, eu escondia uma nesga de satisfação de ter me vingado daquela poedeira velha, caduca e buzuntona.