quinta-feira, 23 de abril de 2009

FERIADO NO INFERNO

Era carnaval, e os frades estavam iniciando, no convento, as penitências e o retiro espiritual de três dias, numa autêntica e santa maratona pela salvação das almas daqueles que se entregariam aos prazeres e às orgias próprias do reinado de Momo.

Um austero e virtuoso frade, que acabara de fazer a sua módica refeição do meio-dia, aproveitando o intervalo das orações, saiu a espairecer pelo aconchegante bosque vizinho ao convento e sentou-se à sombra benfazeja de um frondoso cipreste.

Embalado pela brisa amena e pelo gorjeio dos pássaros, logo estava ele mergulhado em profundo sono. Teve então um estranho e intrigante sonho: viu o convento tomado por uma legião de horrendos demônios, muitos deles dormindo recostados nos muros, juntos às colunas, portas, sacadas, nas escadas e balaústres, enquanto outros bocejavam sonolentos nas sombras do jardim e durante muito tempo permaneciam naquela pachorra, sem demonstrar nenhuma preocupação ou pressa.

Extremamente admirado com aquela situação inusitada, o frade então, aproximou-se de um demônio que estava vigilante e parecia ser o chefe, e perguntou:
- Diz-me, ó espírito do mal, por que tu e teus comparsas estais aqui a cochilar, sabendo que tendes grande trabalho a fazer aí fora no carnaval?
-Hoje, amanhã e depois é feriado no inferno. Ninguém trabalha. É nosso tempo de folga; a gente pode sair para onde quiser e fazer o que quiser, respondeu o demônio. E continuou:
-Será que não percebes que, durante o carnaval, nós demônios não precisamos trabalhar porque ninguém precisa ser tentado, pois todos que ali estão na folia já se entregaram espontaneamente às tentações, aos prazeres, às orgias e à luxúria e, portanto, que não precisamos nos preocupar com eles para levá-los à perdição?
-Então, por que vocês escolheram justamente o meu convento para descansar? Aqui é uma casa de oração e penitência. Aqui não se brinca carnaval, indagou o religioso.
Ao que , já meio irritado, o demônio respondeu:
-Imbecil, se aqui é uma casa de oração, jejum e penitência, é justamente aqui que temos grande e difícil trabalho a fazer. Temos ordens expressas de Lúcifer, para semearmos a discórdia e o pecado neste e em outros conventos, principalmente durante o carnaval, mas não é fácil. Ai de nós se não o fizermos! Cada frade que conseguirmos conquistar e perverter é um valioso troféu e motivo de festa e, com certeza, se eu conseguir desviar pelo menos um, serei promovido lá no inferno. Esses que aí estão comendo, bebendo, pulando, sambando, na orgia do pecado e praticando toda sorte de excessos, já têm seus lugares garantidos no inferno. Com esses não precisamos perder tempo!
E, dizendo isso, bateu palmas com extrema força e gritou com voz cavernosa:
- Ao trabalho, todos ! Chega de moleza! Acabou o feriado! Entrem no convento!
Como que eletrizados, todos aqueles demônios levantaram-se imediatamente e, fazendo grande algazarra, cada um correu para escolher um frade para ser tentado. O barulho acordou também o nosso frade que, erguendo-se num salto, meio atordoado, saiu em desabalada carreira rumo ao convento, julgando que dormira demais e que um horrível demônio corria atrás dele para tentá-lo.

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