quinta-feira, 23 de abril de 2009

CALDINHO DE MOTOCÓ

-Menino, como você está magro e abatido! Disse ele espantado e olhando fixamente para mim.
De fato, os três dias de carnaval tinham me deixado um tanto quanto derrubado e com aquelas olheiras de urso panda.
-Vou cuidar de você com o meu caldinho levanta-defunto! Me apareça aqui todos os dias depois do expediente, sem falta! Tudo por minha conta, ordenou ele.
Eu não era freqüentador assíduo daquele barzinho, apesar de ficar bem perto do meu trabalho; ia lá algumas vezes para tomar uma cerveja com os amigos. Não conhecia o tal caldinho milagroso e não alimentava qualquer tipo de intimidade com o Raimundo, dono do bar. Não podia deixar de estranhar aquela repentina e gratuita amabilidade. Não disse que sim, nem que não. Apenas esbocei um sorriso encabulado
Depois me disseram que o caldinho do Raimundo era de fato prodigioso, turbinado, vitaminado, afrodisíaco, que eu deixasse de ser besta, aproveitasse, etc.
-Vai lá, rapaz! Não custa nada experimentar! De graça, até injeção na testa..! brincavam os amigos.
Mesmo desconfiado, resolvi aceitar o tal caldinho de mocotó e quase sempre, depois do expediente, passava no barzinho do Raimundo, que sempre estava me esperando e fazia questão de me servir com prioridade a costumeira tigela cheinha da fumegante e suculenta porção.
Fiquei fã número um daquela iguaria e, nessa brincadeira, passei cerca de um mês usufruindo cotidianamente aquela maravilha de caldo e já sentindo os efeitos benéficos que ele estava operando no meu organismo.
Como não podia deixar de ser, achei que estava na hora de acertar as contas e fui falar com o Raimundo.
-Já faz um mês que estou tomando o seu maravilhoso caldo de mocotó, aliás, estou me sentindo muito bem, e agora quero pagar. Quanto é?
-Você não precisa pagar nadinha. É tudo por minha conta! Estou vendo que você agora está forte e corado, sem aquelas olheiras de um mês atrás. É assim que eu quero você, forte, sarado, musculoso, tesão. Espere aí um pouquinho que vou levar você para conhecer o meu apê, para a gente tomar uns drinks e bater um papinho.
Para bom entendedor...
Consegui escapulir dizendo que precisava antes passar rapidinho no escritório, que era pertinho, e que voltaria sem falta para acompanhá-lo. Está esperando até hoje. Eu, hein?
Soube depois que a fórmula mágica do caldinho de mocotó do Raimundo levava ovo de codorna, cheiro verde, pimenta de cheiro, alho, gengibre, catuaba, barbatana de tubarão, e testículo de boi, grão-de-galo, mas, os principais ingredientes que ele usava eram mesmo a malícia, a manha para pegar os rapazes e envolvê-los com seus ardis amorosos. O caldinho de mocotó era apenas o pretexto, a isca.

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