sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O DESENCONTRO DE DUAS ALMAS BIRUTAS

Alma 1 – Oi! Bom dia! (boa tarde ou boa noite. Apertam as mãos. Trajadas de alma)
Alma 2 – Oi! Bom dia!
Alma 1 - Não acredito! Não vá me dizer que não é você!!! Não está lembrada de mim?
Alma 2 – Claro que não estou, porque eu não sou eu. Não está vendo que já morri? Olha aqui o meu atestado de óbito! ( mostra um papel). E se eu não sou eu, como é que vou me lembrar de você?
Alma 1 – Eu também não sou eu porque eu não existo, morri. Morri primeiro que você e nem precisei de atestado de óbito. Todo mundo viu eu morrendo.E também não faço a menor idéia de quem seja você. Nunca a vi mais gorda. .
Alma 2- E eu muito menos... Nunca a vi mais magra
Alma 1 – Por falar em morte, como foi que você morreu?
Alma 2 – Desastre Eu vinha na garupa de uma moto, numa estrada, a 180 km. por hora e o meu namorado bateu de frente com uma carreta carregada de vergalhões de aço, também em alta velocidade.
Alma 1 – E vocês se machucaram muito?
Alma 2 – Que nada! Só pequenos arranhões. A carreta é que ficou reduzida a um montão de ferros retorcidos e fumegantes. E o motorista virou patê.
Alma 1 – Não é possível! Vocês não sofreram nada??? Não ficaram esmagados??? Não ficaram presos nas ferragens???
Alma 2 – Aí eu não sei. Só sei que ouvi um estrondo horrível e desmaiei; e quando abri os olhos vi que já estava morta
Alma 1 – Então vocês morreram do susto, não foi?
Alma 2 – Exatamente. Tudo indica. Acredito que sim.
Alma 1 – E você morreu de quê?
Alma 2 – Desastre também. Quando eu morri de morte natural, meus parentes me levaram para ser sepultada na cidade onde eu nasci, conforme meu desejo. No meio do caminho, o carro da funerária em que eu ia bateu num jumento que vinha na contramão; capotou cinco vezes e o meu caixão foi jogado longe e caiu no meio da estrada. Uma carreta, dessas de 36 pneus, passou por cima do meu caixão. Eu e meu caixão viramos massa de fazer pastel com enchimento de carne de jumento.
Alma 1 – Ai, meu Deus! Você deve ter sentido uma dor horrível!
Alma 2 – Também não me lembro de nada, porque todo dia eu tomava remédio para a memória, e nesse dia eu tinha esquecido de tomar.
Alma 1 – Não é engraçado? Eu nunca vi você e você nunca me viu, porque eu já morri e você também já morreu, e parece que nós já nos conhecemos há bastante tempo.
Alma 2- É verdade. Ás vezes parece que eu tenho uma vaga lembrança de você. Eu fico procurando me lembrar. Parece que eu já vi você em algum lugar. Um dia desses eu ia caminhando no parque e dei de cara com uma anta., e aí eu me lembrei logo de você.
Alma 1 – Isso me dá até vontade de rir, porque acontece comigo também. Um dia desses eu ia caminhando na calçada e tropecei num montão de lixo, e aí eu também me lembrei logo de você.
Alma 2 – Obrigada por você ter se lembrado de mim.
Alma 1 – Obrigada também.
Alma 2 – Mudando de assunto e permanecendo na mesma conversa, me diga uma coisa: você não é aquela moça que era magra e agora ficou gorda?, Que era feia e agora tá mais feia ainda? Que não saía cedo de casa porque tinha medo de ser assaltada e agora tá saindo?, Que não pegava o ônibus com medo que ele pegasse você e agora tá pegando?, Que não ia para o trabalho porque não gostava de trabalhar e agora tá indo?
Alma 1 – Negativo. Nunca em tempo algum fui nada disso e muito menos fiz nada do que você está dizendo. Estou vendo é que você está querendo me deixar biruta É melhor a gente encerrar por aqui esse papo idiota de duas abestalhadas que nem ao menos se conhecem. Logo eu que detesto falar com gente desconhecida.
Alma 2 – Você tem toda razão. Eu também odeio falar com gente que eu não conheço. Vamos fazer o seguinte: faz de conta que eu não falei com você e você não falou comigo, certo? Aliás, almas do outro mundo não falam. Você já viu alguma alma do além ficar tagarelando por aí? Portanto, dê cá de volta o meu bom dia e o meu aparto de mão e tome lá de volta o seu bom dia e o seu aperto de mão.
Alma 1 – Passar bem
Alma 2 – Passar mal.



José Oilton de Menezes
Julho/2009

Um comentário:

mes couleurs, les odeurs, la vie et mon sentiment ... disse...

Oi Sr José,
Saudades de todos.
Meus pais adoraram a crônica do Poste...
Eles mandam lembranças

Tatiana