sexta-feira, 11 de setembro de 2009

MENTIRA LÁ E CÁ

Compadre 1 - Quanto tempo que a gente não se vê, hein compadre?
Compadre 2 – É... faz um tempão
Compadre 1 – Você arribou junto com a família... não disse nada pronde ia...Eu sei que não é da minha conta, mas pra onde o compadre foi mesmo?
Compadre 2 – Fui pras bandas do sul e já estou com mais de um ano lá.
Compadre 1 – E tá gostando de lá?
Compadre 2 – Tô não, compadre. Chove muito e faz muito frio. Um dia desses caiu uma chuva tão cachorra da mulesta que tudo o que era de peixe e sapo cururu morreu afogado. E o frio nem se fala. Os meninos acordam de manhã, vão fazer xixi e não conseguem; a urina tá congelada. Saio batendo nas bexigas deles com um tamanco até quebrar o gelo, e mesmo assim eles ficam urinando umas pedrinhas bem miudinhas. Minha mulher tava com muita saudade da terrinha dela e inventou de chorar. Em vez de lágrima saiu um monte de pedrinhas de gelo do canto dos olhos dela.
Compadre 1 – Eita lasqueira! É frio de lascar! Frio assim só no Alaska mesmo, né compadre? E o que é que você veio fazer por essas bandas?
Compadre 2 – Vim dar um pulinho por aqui, rever os amigos e matar a saudade. Como é que tão as coisas por aqui, compadre?
Compadre 1 - De mal a pior. Tudo seco. Já perdi a conta do tempo que faz que não cai uma gota dágua. Você fez muito bem em sair daqui, compadre. Os animais de criação ainda não morreram todos porque os donos arranjaram um jeito de colocar uns óculos verdes neles e eles ficam vendo tudo verde saem comendo tudo que encontram pela frente pensando que é pasto. A fome por aqui ta tão grande que chegou uma banda de música pra se apresentar na cidade e saíram logo correndo. Comeram a flauta doce. e o couro dos tambores e do pandeiro. Vidro temperado aqui não se acha em canto nenhum: já comeram tudo. Quem é da família Leitão, Carneiro, Leão, Coelho, Tigre, Camelo, Bezerra, Pêra, Peixe, Lima, Pitanga, Salgado, Pinto, tá morrendo de medo de ser devorado, e tá todo mundo correndo pro cartório pra mudar de nome.
Compadre 2 – E as caçadas? Tem caçado muito?
Compadre 1 – Dei uma paradinha porque ando meio traumatizado com umas coisas estrambóticas que andam acontecendo na fazenda.
Compadre 2 – Como assim?
Compadre 1 – Eu tava caçando marreco num dos açudes aqui da fazenda quando, de repente, saíram da água dois rolos de cobra, mais ou menos da grossura de um ônibus cada uma e do tamanho de um trem de carga cada uma. E já saíram brigando, se enroscando. Não sei se era briga de marido e mulher. Saí correndo em disparada e me escondi bem longe dentro de uma moita e fiquei só de butuca olhando. De repente, uma das cobras começou a engolir a outra começando pelo rabo e a mesma coisa a outra cobra fez engolindo a outra também pelo rabo. Era cobra engolindo cobra. Nessa brincadeira, passaram quase uma hora se engolindo, e eu notei que elas iam desaparecendo aos poucos. Chegou a um ponto que não sobrou mais nada de cobra. Elas tinham se engolido. Fiquei todo arrepiado, me aproximei meio apavorado e vi que só tinha ficado o molhado no chão.
Compadre 2 – Você sabe que eu também adoro caçar. Vi você falar em cobra e me lembrei de um episódio que aconteceu comigo também lá na fazenda onde eu moro.
Compadre 1 – Compadre, por falar em fazenda, a fazenda onde você mora é muito grande?
Compadre 2 – O dono tá ate´pensando em vender porque tá tendo prejuízo com os animais que se perdem na fazenda por causa do tamanho dela e dificilmente são encontrados. Um dia desses tinha uma vaca que tava desaparecida já fazia um ano e acharam ela a 950 km de distância e ainda tava dentro da cerca da fazenda. A danada saiu andando e pastando, andando e pastando e foi bater no meio do mundo. Por aí você pode ter uma idéia do tamanho da fazenda... Mas, como eu ia dizendo, semana passada o patrão me mandou fazer uma viagem por dentro da fazenda para entregar uma encomenda a um amigo dele. Peguei a caminhonete e saí bem cedinho. Viajei o dia todo e já tava escurecendo quando avistei um enorme túnel que eu nem sabia que existia na fazenda. Liguei os faróis do carro, entrei no túnel e andei mais ou menos durante uma hora numa velocidade de 80 km. Num certo momento o túnel começou a se estreitar, a se afinar, a se afunilar de tal modo que não permitia mais a passagem de nada.Era como se fosse um rabo que ia afinando. Achei aquilo muito estranho e tratei de dar marcha-à-ré, fazer a manobra e percorrer todo aquele caminho de volta. De novo na entrada do túnel, liguei o farol alto e quase caí pra trás de susto. Não era túnel coisíssima nenhuma. Era uma gigantesca jibóia dormindo de boca aberta. Me afastei devagarinho pra não acordar a bicha e tratei de dar no pé.
Compadre 1 – Isso aí que você contou, compadre, não chega nem aos pés do que aconteceu comigo um dia desses. Tava caçando na fazenda e depois de algumas horas me sentei debaixo de um pé de juazeiro, bebi um goles dágua e pendurei a cabaça ainda quase cheia num galho e adormeci de cansaço. Acordei e fui embora, e já muito longe a sede apertou e eu procurei a cabaça e vi que tinha esquecido dela onde eu tinha dormido. Tratei de voltar, mas terminei me perdendo e não encontrando mais o lugar onde a tinha deixado. Passaram-se mais ou menos uns seis meses e eu fui caçar de novo naquele mesmo local. Mas nem me lembrava mais da tal cabaça dágua..De repente e sem querer dei de cara com a cabaça que eu tinha perdido, só que o sol tinha queimado e apodrecido a cabaça e tava só a água pendurada no galho. Peguei uma cuia que eu levava comigo e aparei a água e bebi um bom gole. Tava boazinha, fresquinha. Parecia água de coco.
Compadre 2 - Compadre, depois dessa eu tava até pensando em contar outra, mas acho melhor parar por aqui porque tá muito difícil encontrar uma mentira mais cabeluda do que essa.
Compadre 1 – Até mais ver, compadre.
Compadre 2 – Até mais ver.

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