sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O encontro das Canetas

Certa vez, uma pequenina e humilde caneta, teve a brilhante idéia de convidar todas as canetas do mundo para um encontro – o I Encontro Mundial de Canetas.

Pensou até em convidar os lápis, mas, depois, ponderou: é outra classe, é outra família ! Lápis são frágeis e quebradiços e um encontro desses seria um desastre para eles. Além do mais, não são confiáveis; o que escrevem, pode ser facilmente modificado ou apagado e é por isso que andam com uma ridícula borracha em forma de capacete na cabeça. Estão quase sempre vestidos de preto e são manipulados por crianças que os mordem e torturam, sem falar nas atrocidades e mutilações que lhes causam os apontadores, as giletes, os canivetes e os estiletes.
Decidiu então: o encontro será única e exclusivamente de canetas!

Escolheu o local – um gigantesco estádio – e distribuiu os convites, que eram extensivos a todo e qualquer tipo de caneta, em atividade ou fora de uso, e de quaisquer partes do mundo: penas, canetas – tinteiro, esferográficas, novas, velhas, modernas e ultrapassadas, pobres, ricas, feias, bonitas, deficientes, etc.

A pretensão do encontro era nobre: fazer com que todas as canetas se abraçassem, se conhecessem, se confraternizassem, trocassem idéias e experiências e, principalmente, que cada uma contasse um pouco de sua vida, de sua história, de sua experiência. Uma caneta, seja ela qual for, tem muito a contar, muito a escrever, muito a revelar.

O comparecimento foi em massa e o que se viu foi, além do deslumbrante desfile das ricas e elegantes canetas vindas de quase todas as partes do mundo, o comparecimento, também, de canetas representantes das camadas sociais mais humildes.

-Excelentíssimas senhoras e senhoritas, declaro aberto o nosso I Encontro Mundial de Canetas.! Sejam todas bem-vindas!, anunciou a idealizadora do evento.

A primeira a usar da palavra foi uma caneta riquíssima e belíssima, toda em ouro maciço e puro, cravejada de diamantes, brilhantes e pedras raríssimas. Uma verdadeira jóia de arte. Levantou-se altiva e orgulhosa e lançando um olhar de desdém sobre as demais, assim falou:
-Eu pensei que tinham selecionado melhor as convidadas para esse encontro. Mas, estou vendo que permitiram a entrada a todo tipo de gente... Como vocês podem ver, eu sou uma caneta nobre, que só freqüento palácios e castelos e só ando em companhia de ricos e famosos e sempre sou cobiçada por reis e imperadores. Já assinei sentenças de prisão, de exílio, de morte de reis, nobres, príncipes e rainhas; declarações de guerra, rendição de poderosos chefes de estado derrotados nas guerras. Meu valor é inestimável e o tempo nada poderá contra mim, porque continuo nova e bela apesar dos meus mais de quatrocentos anos...

Não chegou nem a concluir o seu arrogante discurso, porque uma estrepitosa vaia misturada com apupos e imprecações ecoou no monumental estádio, sufocando e calando a voz daquela vedete exibida e petulante.
Acalmados os ânimos, ouviram-se numerosos depoimentos e histórias comoventes, que provocaram até lágrimas de emoção. Cada uma queria contar a quem pertencera ou pertencia, o que já escrevera ou o que ainda escrevia de bom e de ruim.
Já no final, nenhum depoimento causou tanta comoção e levantou tantos aplausos como o de uma pena já muito velhinha, desgastada e frágil, aparentando uns 150 anos que, levantando-se com dificuldade, falou com voz débil e doce:
-Eu sou uma velhinha muito orgulhosa e feliz, porque no dia 13 de maio do ano de 1888, eu tive a subida honra de assinar, pela graciosa mão da princesa Isabel, a lei áurea, acabando para sempre com a vergonha da escravidão no Brasil.! Sei que logo serei devorada pelo tempo, mas espero que ele seja benigno e conserve ainda por muitos anos o precioso papel e os traços que nele imprimi, como testemunho da nobreza e da grandeza da alma humana!

Foi demoradamente aplaudida de pé e carregada depois como se conduz uma preciosa, santa e raríssima relíquia.

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