quinta-feira, 14 de agosto de 2008

COMADRE ZABÉ

Dentre os tipos mais estranhos, exóticos, esquisitos, caricatos, ridículos e grotescos, que conheci, comadre Zabé, sem sombra de dúvidas, foi a criatura mais singular; a figura mais engraçada e difícil de esquecer.
Magrinha, baixinha e raquítica, era o que a gente podia chamar de um manequim perfeito da raça dos nanicos, muito comuns em nosso pobre e castigado sertão.
A vida dura e sacrificada da roça não lhe dera chances de desenvolver o físico e muito menos a mente, pois, nunca freqüentou escola, e a única vitamina que realmente consumira foi muita farinha e rapadura. .Apesar de tudo, era uma pessoa muito espirituosa e falante, de uma sabedoria quase folclórica, que estava sempre de bom humor e era dotada de uma incrível força de vontade.
Só partia para a briga e virava no cão quando algum gaiato a insultava chamando-a de “dona miúda” e dizia que os peitos dela eram dois ovos estrelados e o sutiã, dois pires emborcados, e que ela era campeã de nado – nada de peito e nada de nádegas. Ela ficava possessa, rodava a baiana, xingava e esculhambava a mãe de quem estivesse por perto e até de quem nada tinha a ver com o peixe.

E espinafrava o perebento:
- Se o meu sutiã é dois pires emborcados, o da tua mãe, cabra safado, é duas redes! Eu posso num ter nem peito nem bunda, mas tu , cachorro da moléstia, é filho de uma égua e num tem nem vergonha nem caráter!

Tinha um filho único chamado Salvino e que era soldado, ou melhor, “saldade”, como ela dizia.
No parvo entendimento de Comadre Zabé, ser soldado era uma coisa muito importante, uma autoridade extraordinária.. E achava que o filho era uma espécie de deus plenipotenciário que tudo resolvia e a quem ela podia recorrer a qualquer hora e em qualquer situação.

Quando se via ameaçada, molestada ou injustiçada, invocava logo o nome do filho:

-Ele num tá querendo me atender não, né? Deixa estar que eu vou mandar chamar Salvino e eu quero ver se ele não resolve! Taco o saldade em riba dele e dá certim pra ele!

Até o curso de datilografia que o filho fizera era motivo de orgulho.

- Esse aqui é Salvino quando se formou em tilogra, dizia cheia de si, apontando para o retrato do filho, na parede, de boina e bata azul com peitoral de babado branco.

Mas o grande e super-poderoso Salvino de comadre Zabé, não passava de um pobre meganha, magro, feio e desnutrido, que mal podia com o peso da farda e dos coturnos e que não ofendia nem a um inseto.

Apesar de nanica, comadre Zabé era dotada de uma força incrível. Eu costumava compará-la a uma formiga de roça. Estava sempre fazendo ou carregando alguma coisa e não sabia o que era cansaço. Equilibrava na cabeça uma descomunal trouxa de roupas de dar inveja a qualquer estivador do cais do porto. Lavava e engomava serras de roupas.
Morava sozinha . Quando falo sozinha, estou me referindo à companhia de gente. Dessa ela só queria distancia. Gente falsa, gente ruim, que só mágoas lhe trouxeram Sua família era, na realidade, os bichos, com quem vivia e conversava e brincava como se fossem seus filhos.

De longe dava para ouvir os carões que ela dava na cachorra Pereba, na cabra Zefinha, na porca Zuleica, no galo Janjão, na galinha Cristina, no pato Bertoldo, quando se afastavam muito do terreiro ou invadiam o quintal do vizinho:

- Eu já falei que não quero ver vocês andando por aí na casa dos outros! Sua Pereba, você ta ficando muito desobediente! Você abra do seu olho!

E o mais engraçado é que os fujões ficavam parados olhando atentamente nos olhos da dona, como se estivessem entendendo a bronca e depois faziam tudo de novo.

Conversar com comadre Zabé era uma delícia e garantia de boas risadas

Certa vez foi à casa da minha tia, que morava perto, entregar uma trouxa de roupa lavada. Ela e a “família”, é claro. Tudo em fila: a cachorra, a cabra, a porca, o galo, a galinha e o pato.

Nesse dia, meu irmão Expedito estava lá e, debochado como era, adorava puxar conversa com a matuta, para rir de suas “ pérolas”.

- Seu Ispadite, eu fui no dotô e ele dixe que eu tava com um tá de cisco no ovaro. Qui diacho é isso?
Bem que o levado da breca do Expedito podia ter dito que não era cisco e sim cisto, mas ele não queria perder a oportunidade de fazer gozação com a pobre lavadeira
.
- Olhe, comadre Zabé, disse ele entre cínico e sério, esse negócio de cisco no ovário é coisa muito séria. A senhora sabe como é que a mulher pega isso?
- Sei não sinhô.
- A senhora sempre varre a casa e o terreiro, não é isso?
- Varro sim sinhô.
- A senhora, por um acaso, já varreu esses lugares sem a calça de baixo?
- Oxente, seu Ispadite!
- Varreu ou não vareu?
- Varri...
-Então tá explicado: entrou cisco no ovário, por debaixo da saia.
- E agora, seu Ispadite?
- Não se aperreie não, que o médico dá um jeito de tirar.
- E ele vai me operar?
- Não, é com aspirador de pó.
- Ainda bem. Foi até bom o sinhô dizer, porque eu vou falar com a Creonice, a minha vizinha, porque ela tem mania de passar o dia todo sem nada pudibaixo.

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